Há filmes que funcionam como portas, mas “A Mulher da Fila” se comporta como um corredor estreito que obriga o espectador a caminhar junto da protagonista, sentindo o atrito das paredes, o cansaço nos ombros, o ar pesado de quem tenta sobreviver dentro de uma engrenagem que não foi feita para acolher ninguém. A obra toma como base uma história real e trata essa origem com seriedade, observando o impacto emocional de forma íntima, mas sem perder a amplitude social do drama.

Andrea, interpretada por Natalia Oreiro, vive o tipo de virada brutal que não pede permissão. O filho é acusado injustamente e, de repente, toda a vida passa a ser medida por senhas, protocolos, pequenas humilhações e esperas que nunca terminam. A câmera acompanha esse processo como alguém que caminha ao lado dela, registrando cada respiração falha e cada gesto que tenta segurar o mundo enquanto tudo escapa pelas bordas. É uma atuação que não busca heroísmo, mas sobrevivência, e essa escolha altera completamente o peso do filme.
A narrativa também se sustenta no encontro entre mulheres que carregam histórias parecidas. Cada uma delas surge como uma peça de um mosaico social que continua atual, independentemente da década retratada. O roteiro entende que essas filas são feitas de vidas partidas, e não de números. Existe uma força na forma como o filme traduz a solidariedade improvisada, quase acidental, que nasce quando a dor se acumula. É um tipo de união que não se idealiza, mas que funciona como antídoto contra o colapso.
A direção de Benjamín Ávila trabalha com proximidade extrema. A câmera se inclina, respira junto, observa o corpo tenso de Andrea como se fosse um documento vivo. A construção estética usa essa proximidade para reforçar a sensação de opressão constante. A luz dura dos ambientes, as grades sempre presentes ao fundo, o som das portas metálicas que se repetem como um mantra. Tudo ajuda a formar um retrato incômodo sobre instituições que gastam as pessoas aos poucos, não por intenção, mas por estrutura.
O filme dosa drama social com elementos de thriller, e permite que o romance apareça como uma rachadura inesperada no concreto. E funciona porque a obra nunca perde de vista o que realmente importa: a humanidade daqueles que foram empurrados para a margem. Há cuidado na forma como o roteiro trata personagens que, em outras histórias, seriam reduzidos a estereótipos. Aqui, cada gesto carrega história, cada silêncio revela uma camada de conflito.
O maior tropeço acontece quando a narrativa altera um ponto específico da história real e depois o corrige nos créditos. Essa escolha cria uma sensação de interferência desnecessária, como se o filme colocasse a mão no volante no único momento em que deveria apenas observar. A emoção já existia sem esse ajuste, e a revelação posterior acaba distraindo da força natural da cena.
Mesmo assim, “A Mulher da Fila” permanece como uma peça essencial dentro do cinema recente. É uma obra que provoca reflexão sobre burocracias que parecem máquinas de triturar vidas, sobre mães que transformam escombros em resistência e sobre o quanto justiça pode ser um conceito frágil quando depende de tantas camadas sociais. A força do elenco sustenta essa visão, com Natalia Oreiro entregando uma atuação que se move entre dor e determinação sem nunca perder verdade.
O filme lembra algo importante: certas histórias não ficam no passado. Elas continuam acontecendo todos os dias, diante de portas que se fecham sem motivo e filas que não terminam nunca. É um retrato que incomoda justamente por ser real, e é isso que faz a obra permanecer na cabeça depois que a tela escurece.
“A Mulher da Fila”
Direção: Benjamín Ávila
Elenco: Natalia Oreiro, Amparo Noguera, Alberto Ammann
Disponível em: Netflix
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