Filmes baseados em figuras religiosas muitas vezes caem em duas armadilhas: ou tratam seus protagonistas como santos intocáveis, sem falhas ou conflitos internos, ou os transformam em símbolos de uma narrativa maior, deixando de lado a complexidade humana. “Cabrini”, dirigido por Alejandro Monteverde, opta pelo primeiro caminho, oferecendo um retrato reverente, visualmente deslumbrante, mas sem muito espaço para ambiguidades ou contradições.
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A trama segue Francesca Cabrini (Cristiana Dell’Anna), uma freira italiana que chega a Nova York no final do século XIX, determinada a construir orfanatos e lutar pelos imigrantes em um cenário de pobreza extrema, crime e preconceito. Desde o primeiro momento, o filme estabelece sua protagonista como uma força inabalável de caridade e resistência, enfrentando o sexismo, a xenofobia e a hostilidade institucional para transformar sua missão em um império de compaixão.
É uma história poderosa, e Monteverde a conduz com um senso estético impressionante. A reconstituição de época é impecável, com uma direção de arte que recria a Nova York suja e decadente de forma palpável. O visual do filme evoca grandes épicos históricos, com um trabalho de câmera meticuloso que frequentemente coloca Dell’Anna no centro dos quadros, reforçando sua presença dominante na narrativa, em um efeito semelhante ao que Christopher Nolan fez com Cillian Murphy em Oppenheimer.
Dell’Anna, por sinal, é um dos maiores trunfos do filme. Ela incorpora Cabrini com uma intensidade silenciosa, alternando entre determinação feroz e compaixão profunda, e há algo magnético na forma como suas expressões comunicam camadas de emoção sem precisar de grandes gestos. Se houvesse um esforço da indústria para reconhecer atuações desse tipo, sua performance teria espaço garantido nas conversas sobre premiações.
Mas é justamente essa postura de veneração absoluta que limita o impacto do filme. “Cabrini” nunca realmente desafia sua protagonista, nem se permite explorar os dilemas morais e espirituais que poderiam dar mais profundidade à sua jornada. Sua fé é mostrada como inabalável do começo ao fim, e qualquer conflito que surge ao longo da narrativa é sempre externo – seja o prefeito hostil, o Vaticano resistente ou a dura realidade da imigração. Isso cria uma estrutura previsível, onde sabemos que Cabrini sempre sairá vitoriosa, enfraquecendo a tensão dramática.
Outro ponto que se destaca é a abordagem temática. Embora o filme trate de questões relevantes, como xenofobia contra italianos, desigualdade social e corrupção política, tudo é apresentado de forma direta, sem muito espaço para nuances ou desenvolvimento mais aprofundado. A narrativa claramente se alinha com uma visão de mundo específica, e não há muito espaço para que o público tire suas próprias conclusões.
Isso não significa que o filme não tenha seus méritos. Monteverde é um diretor competente e sabe criar imagens que ficam na memória, além de demonstrar um ótimo senso de ritmo e estruturação visual. Há momentos genuinamente tocantes, e a mensagem de solidariedade e luta por justiça ressoa, mesmo que entregue de maneira um pouco idealizada.
No fim das contas, “Cabrini” é um filme visualmente grandioso e emocionalmente envolvente, mas que se recusa a desafiar sua própria protagonista, preferindo construir um retrato hagiográfico que, embora inspirador, carece de complexidade real. É uma celebração de um espírito indomável, mas que poderia ter sido ainda mais poderosa se tivesse permitido um olhar mais matizado sobre sua heroína.
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