“Christy” se apresenta como aquele tipo de biografia que desperta atenção pelo próprio objeto, porque a trajetória de Christy Martin possui camadas suficientes para sustentar qualquer narrativa de fôlego. O filme entende essa força e tenta navegar por ela com intensidade, mesmo quando a estrutura clássica do gênero pressiona cada movimento. O resultado revela escolhas competentes, interpretações que se destacam e uma construção dramática que funciona em seus melhores momentos, ainda que tropece quando precisa expandir seus conflitos ao longo de décadas.

A performance de Sydney Sweeney é o eixo que realmente segura tudo. A atriz demonstra um domínio físico e emocional raro na carreira, ocupando o papel de Christy com firmeza, explosão e vulnerabilidade. Sweeney encontra um ponto de virada que reorganiza completamente sua presença em cena e prova que existe profundidade quando a direção permite que ela explore nuances internas e não apenas caricaturas de força. A construção da boxeadora como atleta e como ser humano ferido se desenvolve de forma densa, com sequências que capturam a brutalidade do esporte e, ao mesmo tempo, o labirinto íntimo que se forma fora do ringue.
O filme também se beneficia do trabalho de Ben Foster, que entrega uma interpretação agressiva e inquietante, guiada por uma energia que incomoda e, justamente por isso, cumpre seu papel narrativo. Há momentos em que o antagonismo se aproxima de exageros, mas a composição funciona porque o personagem é moldado pela própria toxicidade que alimenta a evolução da protagonista. Essa dinâmica sustenta as cenas mais tensas e dá ao longa um impacto emocional significativo.
A primeira metade de “Christy” flui com naturalidade. O roteiro organiza a ascensão da atleta de forma envolvente, com ritmo, movimento e um uso eficiente das coreografias de luta. As cenas de boxe funcionam como peças narrativas e não apenas como espetáculo, reforçando que cada vitória cobra um preço e cada derrota reflete um conflito íntimo. A montagem trabalha bem a intensidade do esporte, dando peso aos golpes e às respirações curtas que moldam a trajetória de Christy.
Quando o filme entra na fase dos anos 2010, a narrativa perde fôlego. A mudança de tom e de ritmo se torna evidente e a história começa a carregar uma solenidade excessiva. Os diálogos assumem uma postura mais explicativa que emocional, e a tentativa de ampliar a dramaticidade afeta a fluidez do conjunto. A densidade da personagem continua intacta, porém o longa se vê preso em convenções que diminuem a potência que havia sido construída.
Mesmo assim, “Christy” encontra brilho em momentos de intimidade, especialmente quando revela as contradições e cicatrizes da protagonista. A direção aproveita bem o material biográfico, ainda que opte por uma abordagem tradicional demais, o que enfraquece algumas passagens e torna a experiência previsível em certos pontos. A sensação é de que o filme sempre acerta quando observa Christy como mulher complexa e falha quando tenta transformá-la em símbolo.
Visualmente, a produção adota escolhas sólidas. As transições temporais funcionam sem desequilíbrio, e o trabalho de fotografia acompanha as mudanças de humor da personagem, alternando dureza, suor e escuridão com momentos de respiro emocional. A trilha sonora reforça a ambientação temporal sem se tornar intrusiva, usando variações discretas para sugerir passagem de tempo e maturidade emocional.
Como biografia, “Christy” raramente surpreende, mas também evita se tornar descartável. É um filme consciente de suas limitações e sustentado por interpretações que elevam material já conhecido. A força do longa está em entender que a verdadeira luta de Christy Martin jamais aconteceu só dentro do ringue. Aliás, sua história continua pulsando justamente por isso.
“Christy”
Direção: David Michôd
Roteiro: Mirrah Foulkes, David Michôd
Elenco: Sydney Sweeney, Ben Foster, Merritt Wever
Disponível em breve nos cinemas
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