“It’s Not That Deep” chega como um ponto curioso na trajetória de Demi Lovato. Depois de flertar com o rock em “Holy Fvck” e reorganizar velhos sucessos em “Revamped“, a artista retorna ao território do pop dançante com uma intenção clara de leveza. O disco assume a própria superficialidade no título, como quem avisa que desta vez a música vem com brilho de pista, não com dilema existencial. A proposta é simples: entregar energia, ritmo e um clima hedonista em um recorte que abraça a eletrônica pop de 2025.

A produção de Zhone molda as onze faixas com um desenho club-friendly que busca consistência. Beats sintéticos, camadas eletrônicas polidas e refrões que parecem feitos para circular na velocidade das redes. A narrativa por trás do álbum reforça esse impulso. Demi passou por anos de revisões internas, dirigiu “Child Star”, chegou a cogitar um hiato musical e reencontrou o desejo de criar ao perceber que a música funcionava como refúgio e combustível. O disco nasce dessa reconciliação com o próprio ofício, ainda que a estética escolhida parta para o caminho mais comercial possível.
O pop de pista vive um ciclo curioso. Depois de “Brat“, o gênero se espalhou pelo mainstream como efeito dominó. Muita gente correu para explorar batidas eletrônicas, nuances EDM e texturas de house. “It’s Not That Deep” se encaixa nessa leva, porém com foco mais polido, mais seguro, mais disposto a agradar do que a provocar. Não existe aqui a sujeira que torna certos projetos eletrônicos tão marcantes, aquela sensação de entrar em um clube subterrâneo onde tudo vibra fora do eixo. Demi entrega a versão mais acessível dessa tendência, a que evita choques e escolhe caminhos estáveis.
Alguns momentos escapam desse molde. “Frequency” aparece como um dos pontos altos ao deixar que os sintetizadores caiam sobre a faixa como chuva elétrica. Há potência e coragem ali, um traço de ousadia que respira melhor dentro do house. Já “Kiss” aposta em um vocal propositalmente seco e numa base eletrônica pulsante que poderia muito bem circular nas pistas mais alternativas. Essas duas faixas mostram o que o álbum poderia ter sido se arriscasse mais.
“Little Bit” também brilha com naturalidade. É uma faixa simples, direta, construída para ser viciante. Ela sintetiza o lado mais eficiente do projeto: pop descomplicado, melodias que grudam, e instrumentais que convidam o corpo a seguir o pulso da música sem pensar duas vezes.
O restante do álbum mantém a fluidez, porém desliza para um campo confortável demais. Os instrumentais orbitam as mesmas zonas, repetindo nuances e texturas que funcionam, porém deixam pouco espaço para identidade artística. “It’s Not That Deep” ocupa uma região segura, competente, mas pouco surpreendente. E isso pesa ao lembrar do contraste com o vigor de “Holy Fvck”, que havia colocado Demi em uma rota mais crua e visceral.
O disco sugere diversão e cumpre essa premissa, embora entregue uma energia que lembra mais playlists de lojas do que uma pista esfumaçada às três da manhã. A sensação é de que Demi abraça a estética EDM-pop, porém reduz sua força em busca de um apelo massivo. O resultado funciona como entretenimento, não como reinvenção.
A crítica mais comum entre os fãs e ouvintes se repete aqui: existe certa distância entre a personalidade da artista e a estética que ela abraça neste momento. Demi tem vocais imponentes, presença forte e histórico emocional denso dentro da própria discografia. Isso contrasta com um álbum que suaviza tudo para caber dentro de um formato mais genérico. A voz dela aparece afinada e clara, mas raramente ganha o centro da narrativa do disco.
Ainda assim, há charme em ver Demi tratar a música com menos peso. “It’s Not That Deep” funciona como respiro, como exercício de liberdade criativa, como etapa intermediária entre fases mais intensas da carreira. Mesmo dentro das escolhas comerciais e previsíveis, o álbum consegue entregar faixas divertidas e momentos de brilho, ainda que tímidos.
O saldo final aponta para um projeto fácil de ouvir, cheio de potencial para playlists e com refrões que cumprem sua função. O disco segue uma lógica de leveza assumida, porém deixa perceptível que existe território fértil dentro do qual Demi poderia ousar mais, experimentar mais, emergir com camadas novas. A sensação é de que ela abre portas, acende luzes, aponta caminhos, mas ainda guarda a profundidade para futuros capítulos.
“It’s Not That Deep” se posiciona como uma obra eficiente, dançante, estratégica e consciente do próprio propósito. Um passo moderado dentro de um cenário pop que segue oscilando entre extremos. Um álbum que entrega o que promete, mesmo que modesto diante da força que Demi já exibiu antes.
Nota final: 69/100
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