O que seduz em “Eternidade” é a coragem de transformar um conceito que poderia ser metafísico demais em uma narrativa afetiva, quente e surpreendentemente organizada. O filme parte de uma pergunta que assombra silenciosamente qualquer pessoa que já pensou sobre permanências: como escolher um destino eterno quando a experiência humana sempre dependeu do movimento, da dúvida e do inacabado. Nesse terreno imaginário chamado Junction, onde todas as almas desembarcam depois da morte para escolher o próprio futuro, o cinema encontra uma das estruturas mais curiosas do ano e aproveita o cenário para testar até onde um conceito pode sustentar emoção sem perder o controle da lógica interna.

O universo de Junction funciona como uma estação de embarque com suas próprias regras, e o filme exige uma adaptação inicial do olhar do espectador. A lógica desse pós-vida introduz limitações absolutas, já que cada alma precisa decidir um único lugar para viver o infinito, o que abre questionamentos sobre fronteiras, deslocamentos e até sobre a própria noção de espaço. Ainda assim, o roteiro entende que o impacto emocional supera qualquer rigidez estrutural, e desloca o centro da experiência para o conflito humano que emerge quando Joan, interpretada por Elizabeth Olsen, se vê dividida entre duas versões de sua própria história.
É nesse triângulo pós-vida que o filme alcança seus melhores momentos. De um lado, Larry, vivido por Miles Teller, representa a solidez construída ao longo de décadas. Do outro, Luke, interpretado por Callum Turner, funciona como a memória que resiste ao tempo, ao trauma e à morte. O reencontro entre Joan e Luke ativa uma camada de dramaticidade delicada, porque o filme trabalha com ideia de permanências que coexistem sem se anularem. A narrativa cresce justamente quando abandona qualquer preocupação com regras cósmicas e mergulha na intimidade contraditória dessas escolhas afetivas.
A atuação de Elizabeth Olsen garante sustentação a esse dilema. O filme permite que ela explore um arco inteiro, indo do cômico ao devastador com precisão rara. Teller também encontra espaço para trabalhar nuances pouco vistas em sua carreira recente, enquanto Turner assume o papel mais idealizado da equação. Para completar a engrenagem, Da’Vine Joy Randolph surge como uma presença magnética e amplifica o humor na medida certa. O elenco funciona porque entende que o filme não busca caricaturas e sim um equilíbrio entre leveza e densidade emocional. O resultado é uma comédia romântica que recusa o excesso de açúcar e ainda assim encontra beleza em cada virada.
Visualmente, “Eternidade” adota um desenho caloroso, com paleta vibrante e fotografia que recusa o padrão apagado frequentemente associado ao gênero. Isso reforça o tom do filme, que aposta em vitalidade para discutir algo que, à primeira vista, poderia remeter ao estático. O design da estação, os figurinos e o ritmo da montagem sustentam a atmosfera acolhedora. O score, um dos mais bonitos da temporada, amarra a experiência emocional com elegância e entrega momentos de impacto sem exageros.
O longa cresce conforme abraça sua própria estranheza e entende que o humor funciona melhor quando nasce de situações sinceras. A premissa é engenhosa, mas é Joan quem transforma a narrativa em algo que permanece. O espectador acompanha sua angústia, sua nostalgia e seu desejo de conciliar partes da vida que nunca foram pensadas para coexistir. O filme conquista porque trata o amor como algo que transborda até os limites do tempo, sem forçar conclusões e sem transformar o pós-vida em metáfora vazia.
O filme imprime mais do que boas ideias. Consolida um olhar sensível sobre escolhas definitivas e revela um cinema que confia no próprio coração narrativo. A combinação entre direção inspirada, elenco afinado e conceito original resulta em uma obra que diverte, provoca e deixa um rastro emocional muito mais duradouro do que se imagina ao entrar nessa viagem.
“Eternidade”
Direção: David Freyne
Roteiro: Patrick Cunnane e David Freyne
Elenco: Elizabeth Olsen, Miles Teller, Callum Turner
Disponível em: cinemas
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