A tentativa de transformar uma vida inteira em um único filme é um desafio que o cinema frequentemente enfrenta e raramente supera. O formato tradicional da cinebiografia muitas vezes se perde na necessidade de condensar décadas de eventos em pouco mais de duas horas, comprometendo tanto a profundidade dramática quanto a complexidade da personagem retratada. “Lee”, dirigido por Ellen Kuras, não escapa desse problema. O filme tenta equilibrar a trajetória da fotógrafa de guerra Lee Miller com uma exploração de sua psique e passado pessoal, mas, ao fazer isso, perde o foco de sua verdadeira força: a potência das imagens e experiências que ela capturou durante a Segunda Guerra Mundial.
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A abordagem narrativa de “Lee” vacila entre ser um retrato visualmente arrebatador e uma exposição truncada de eventos que deveriam servir de pano de fundo para seu protagonismo como fotógrafa e correspondente de guerra. O filme acerta quando nos coloca ao lado de Miller em meio ao conflito, revelando a brutalidade da guerra através de seu olhar clínico e compassivo. Mas, ao insistir em recortes de sua vida pregressa sua infância, sua relação com o pai, sua entrada no mundo da moda e sua convivência com artistas surrealistas , acaba caindo em uma estrutura biográfica convencional que enfraquece a intensidade da jornada.
A decisão de entrelaçar a narrativa principal com uma entrevista retrospectiva conduzida anos depois se revela uma das maiores fragilidades do roteiro. A presença do entrevistador funciona apenas como uma ferramenta expositiva para justificar longos discursos que explicam sentimentos e eventos em vez de deixá-los emergir organicamente. O resultado é uma obra que, ironicamente, tenta traduzir a complexidade de uma mulher transgressora e independente, mas a prende em uma fórmula de cinebiografia convencional.
Visualmente, “Lee” é deslumbrante quando abraça o espírito de sua protagonista. As sequências que recriam as fotografias icônicas de Miller são algumas das mais impactantes do filme, evocando a mesma mistura de horror e beleza que caracterizou seu trabalho. No entanto, o filme hesita em ir além da estética e se aprofunda pouco nas contradições e dilemas éticos de sua função como fotógrafa de guerra. Em vez disso, dá mais espaço para a construção de um trauma de infância como um fator definidor de sua personalidade, um recurso batido que diminui sua complexidade ao invés de enriquecê-la.
Filmes como “Maestro” e “A Complete Unknown” entenderam que o cinema não pode ser um catálogo exaustivo da vida de uma pessoa e optaram por explorar momentos específicos, capturando a essência de seus protagonistas sem precisar abarcar tudo. “Lee” teria se beneficiado de uma abordagem semelhante, concentrando-se exclusivamente no período em que Miller esteve na linha de frente e evitando a tentação de preencher lacunas biográficas com passagens expositivas. A força da personagem está na forma como ela olhava o mundo e não na tentativa de explicar os motivos por trás desse olhar.
No final, “Lee” é um filme que brilha quando deixa que sua protagonista faça o que sempre fez de melhor: capturar a verdade nua e crua da humanidade através de sua lente. No entanto, o roteiro não confia o suficiente nessa força e se perde em desvios que diluem o impacto da história. Disponível para aluguel no Prime Video desde março de 2025, o filme oferece vislumbres do talento inigualável de Lee Miller, mas não consegue fazer justiça ao legado de uma das maiores fotógrafas de guerra do século XX.
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