Entre o som distante da cidade e o silêncio dos cômodos de uma casa burguesa, “Limpa” encontra a tensão que move suas personagens. Dirigido por Dominga Sotomayor Castillo, o filme chileno é um retrato de vidas que coexistem, mas jamais se tocam por inteiro, mesmo quando o afeto tenta encurtar as distâncias. A diretora transforma o cotidiano de uma empregada doméstica em uma observação minuciosa sobre a desigualdade que se instala nas pequenas brechas da convivência.

Estela, interpretada com uma delicadeza quase documental por Maria Paz Grandjean, deixa o interior do Chile em busca de estabilidade em Santiago. No entanto, o conforto que ela ajuda a manter na casa dos patrões nunca será seu. Entre tarefas silenciosas e olhares que disfarçam cansaço, ela se aproxima de Julia, a filha da família para quem trabalha. Essa relação, construída à sombra da ausência dos pais, se torna o centro emocional da trama. Estela encontra em Julia o eco de algo que a vida lhe tirou e Julia encontra em Estela o único cuidado verdadeiro que conhece.
A semelhança com “Que Horas Ela Volta?” é inevitável, mas “Limpa” opera em outro registro. Sotomayor não busca o discurso direto, prefere a contemplação. Sua câmera observa sem julgar, captura gestos pequenos, momentos de ternura e desconforto, transformando o simples em comentário social. É um cinema que não grita, mas insiste em permanecer, como poeira sobre um móvel caro.
O filme compreende que o abismo de classe não é apenas material, mas afetivo. Estela se doa à criança que cria sem jamais ser reconhecida por isso. Julia, por sua vez, cresce cercada de privilégios, mas órfã de atenção. As duas constroem uma intimidade que o sistema tenta dissolver uma dependência emocional que nunca seria aceita fora dos limites da casa. A cada cena, “Limpa” mostra como o afeto também pode ser uma forma de servidão, e como a inocência de uma criança é moldada pela hierarquia que a cerca.
Sotomayor conduz essa relação com sensibilidade até o ponto em que o realismo se torna incômodo. A diretora entende que o drama não está nas palavras, mas nas pausas. Nos gestos automáticos de quem limpa o que não sujou. Nas respostas curtas de quem se sente observado até quando respira. Contudo, o filme tropeça em seu desfecho. Depois de uma construção tão precisa, o último ato abandona o silêncio e opta pela fatalidade. O resultado é um final apressado, que transforma o que era sutileza em tragédia e o que era reflexão em julgamento.
Mesmo assim, “Limpa” permanece como um retrato poderoso da desigualdade. Um filme que, ao invés de erguer discursos, deixa o desconforto falar por si. É sobre as fronteiras invisíveis entre quem serve e quem é servido, e sobre a dor que surge quando o afeto cruza linhas que a sociedade insiste em traçar.
“Limpa”
Direção: Dominga Sotomayor Castillo
Roteiro: Dominga Sotomayor Castillo, Gabriela Larralde
Elenco: Maria Paz Grandjean, Rosa Puga Vittini, Ignacia
Disponível em: Netflix
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