Existe um momento na carreira de alguns artistas em que a própria trajetória parece exigir uma ruptura. Um chamado interno que dilata a linguagem, cria fricção e força a desconstrução do óbvio. “V3nom Volume 1 – Eclipse” nasce exatamente desse ponto de ebulição, quando MC Lan decide atravessar a própria sombra para descobrir qual intensidade ainda faltava revelar. O resultado é um disco que reorganiza a percepção pública sobre ele e deixa claro que sua criação já circula em um território muito maior que a herança do funk.

O projeto abre uma trilogia pensada como obra total. “V3nom” foi concebido como experimento artístico expansivo, dividido em fases que revelam versões distintas de Lan e suas habilidades em diferentes códigos musicais. Este primeiro volume assume o rock como espinha dorsal: hard rock, heavy metal, nu metal e rock psicodélico formam uma arquitetura sonora que remete ao caráter inventivo dos anos 60 e 70, porém filtrado por uma estética contemporânea que valoriza impacto, textura e densidade emocional. A partir daqui, a narrativa aponta para universos que, nos próximos volumes, devem se aproximar de ritmos africanos, brasileiros e camadas mais conceituais.
O que torna “V3NOM Volume 1 – Eclipse” tão instigante é justamente a confiança com que MC Lan se joga no desconhecido, abandonando qualquer resquício da previsibilidade que o cercava no funk comercial. Ele já tinha provado alcance: top 10 no Spotify Brasil, parcerias internacionais, indicação ao Grammy Latino, presença em hits globais. O mundo pop estava ao alcance da mão. O que faltava era um mergulho profundo em si mesmo, e é isso que este disco entrega.
O álbum aciona temas como propósito, espiritualidade, ancestralidade, alquimia, vidas passadas e misticismo. MC Lan opera como quem acessa camadas internas que permaneciam resguardadas por trás de uma persona expansiva. Há algo quase ritualístico na forma como o disco articula peso, caos, introspecção e catarse, criando uma atmosfera carregada e, ao mesmo tempo, absolutamente viva. “V3nom Volume 1 – Eclipse” funciona como um rito de passagem, uma obra que transforma quem a produz e quem a escuta.
As participações reforçam essa ambição. John Dolmayan (System of a Down) assume a bateria em faixas como “Robocop”, Ra Diaz (KoRn) injeta vigor em “ØZ” e Bladee divide experimentações que ampliam o clima etéreo de “Dark Matter”. Pink Siifu, Criolo, Twin Pumpkin e DJ Blakes completam um mosaico de colaborações que nunca soam decorativas. Tudo é integrado à lógica estética do disco, que abraça o rock, mas incorpora outras texturas com naturalidade. A presença desses nomes não funciona como vitrine de prestígio, e sim como extensão do próprio conceito do álbum.
O repertório confirma a intenção de Lan de construir uma experiência completa. “SCORPION”, “V DE VINGANÇA”, “EVIL LONDRES”, “HIGHWAY”, “RUNAS” e “ZATMENIE” reforçam a alternância entre agressividade e vibração espiritual, sempre dentro de um desenho sonoro que aposta em ambiência, distorção, pulsos graves e atmosferas escuras. Não é um disco fácil, tampouco busca ser. Sua força nasce justamente da recusa ao conforto.
A escolha por uma sonoridade densa pode afastar quem esperava o Lan de “Rabetão” ou “Rave de Favela”. Mas essa distância é o próprio coração do projeto. O artista renuncia ao previsível para testar até onde pode ir quando ignora o mercado e atende apenas ao que lhe move. A estética áspera reforça o compromisso com essa nova etapa, uma fase guiada mais pelo instinto do que pela estratégia. É a prova de que alguns artistas crescem quando perturbam o próprio terreno.
“V3NOM Volume 1 – Eclipse” se apresenta como manifesto, declaração de intenções e abertura de caminho. A trilogia promete expandir essa ambição, mas o primeiro capítulo já estabelece MC Lan como um criador disposto a desafiar formas, rótulos e expectativas. E isso, no cenário musical de 2025, importa.
Importa porque coloca o risco de volta no centro da criação. Importa porque devolve ao mainstream a sensação de que coragem estética ainda existe. Importa porque evidencia que reinvenção não precisa vir diluída. Ela pode ser total.
MC Lan escolheu atravessar o eclipse. E, ao sair do outro lado, oferece um dos projetos mais ousados, estranhos, complexos e artisticamente vibrantes do ano.
Nota final: 95/100
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