Adam Elliot retorna à animação em stop-motion com “Memórias de um Caracol”, um filme visualmente cativante e emocionalmente devastador. A trajetória de Grace Pudel, uma jovem marcada por perdas e pelo isolamento, revela uma narrativa construída sobre a resiliência diante da adversidade.
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No centro da trama, a protagonista enfrenta uma infância desoladora na Austrália dos anos 1970, órfã de mãe e criada por um pai alcoólatra e paraplégico. Após a morte dele, é separada do irmão gêmeo e entregue a um lar adotivo, onde a solidão se intensifica. Seus únicos refúgios são sua coleção de caracóis e porquinhos-da-índia, até que uma improvável amizade com a excêntrica Pinky ressignifica sua jornada.
O filme alterna entre o cômico e o trágico com uma precisão cortante. Há momentos de humor que aliviam a densidade da história, mas a carga emocional é esmagadora. A sucessão de desventuras sofridas por Grace e Gilbert transforma a experiência em um turbilhão de tristeza e melancolia. O roteiro não poupa o espectador, explorando temas como abandono, abuso e depressão de forma crua e sem concessões. Ainda assim, entre lágrimas e desespero, emergem lampejos de esperança e humanidade, como no instante em que Grace compartilha seu carinho por um caracol cujo redemoinho no casco gira ao contrário, um detalhe singelo que sintetiza toda a delicadeza da obra.
A animação em claymation dá à história um aspecto quase artesanal, tornando cada expressão dos personagens mais tangível. Essa estética meticulosa reforça a imersão no universo peculiar de Elliot, permitindo que o espectador se conecte profundamente com as dores e os momentos de ternura da protagonista. Mais do que uma simples narrativa, “Memórias de um Caracol” se apresenta como uma reflexão sobre o sentido da existência em um mundo que insiste em esmagar os mais sensíveis.
Elliot tem a habilidade única de provocar gargalhadas e lágrimas no mesmo instante, criando um cinema que dialoga diretamente com o íntimo de quem o assiste. Seu retorno após anos de ausência reafirma a força de sua visão artística, entregando uma obra que, apesar de árdua, é honesta e inesquecível. A espera por seu próximo filme pode ser longa, mas “Memórias de um Caracol” prova que cada minuto vale a pena.