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Crítica: “Meus 84 m²” (84 Jegopmiteo)

Num cenário onde o espaço urbano virou artigo de luxo e o silêncio uma miragem, “Meus 84 m²” escancara o terror que habita o cotidiano. O filme do sul-coreano Kim Tae-Joon mistura crítica social, paranoia urbana e um suspense psicológico crescente para revelar a face mais insana da busca por estabilidade financeira, pertencimento e sanidade em meio ao colapso do bem-estar metropolitano.

Crítica: “Meus 84 m²” (84 Jegopmiteo)

O protagonista Woo-seong, vivido por Kang Ha-neul, é o retrato da classe média em extinção. Exausto, endividado e abandonado, ele finalmente realiza o sonho de conquistar seu próprio apartamento. Só que o sonho rapidamente se transforma em uma espiral de ruído, insônia e delírio. Quando sons perturbadores passam a invadir suas noites e os vizinhos o acusam de ser o responsável, Woo-seong mergulha em uma investigação que logo escancara algo maior do que simples barulho. O horror não está nas paredes, mas no sistema.

“Meus 84 m²” é eficaz ao construir uma tensão constante a partir do banal, transformando barulhos cotidianos em armas de tortura emocional. O roteiro articula um suspense que parte do realismo absoluto para lentamente abraçar o surreal, criando uma atmosfera de instabilidade onde tudo parece possível, inclusive o colapso da lógica. Essa transição é potencializada por uma direção segura, que sabe usar os recursos do espaço fechado para manter a claustrofobia como protagonista.

A câmera raramente dá descanso. Os enquadramentos são sufocantes, os corredores parecem sempre mais apertados do que deveriam e a sensação de labirinto contribui para o desconforto do espectador. A fotografia e a iluminação trabalham em conjunto para acentuar esse desgaste visual e emocional. Tudo é opressivo, mecânico, frio e impessoal, como se os próprios apartamentos fossem cúmplices na degradação mental do protagonista.

Há uma camada de sátira que se impõe desde o início, mas o filme nunca perde o controle do suspense. Mesmo nos momentos mais absurdos, onde a burocracia e o individualismo beiram o cômico, o filme ainda sustenta a angústia como linha narrativa principal. A crítica ao mercado imobiliário, à especulação financeira e à solidão urbana se apresenta com potência. Woo-seong, como tantos outros, está cercado, mas sozinho. Há ruído por todos os lados, mas ninguém escuta.

A virada na segunda metade assume um tom mais sombrio, abandonando o humor cínico para mergulhar em delírio e paranoia. O roteiro se torna mais instável, os conflitos se acumulam com velocidade, e a clareza narrativa se esgarça aos poucos, o que pode ser frustrante para quem esperava respostas mais sólidas. Ainda assim, há coerência na proposta de Kim Tae-Joon: não se trata de uma solução, mas de um colapso inevitável.

Kang Ha-neul entrega uma performance exaustiva no melhor sentido do termo. Sua vulnerabilidade é crível, sua frustração cresce em cena, e sua jornada rumo à insanidade é conduzida com consistência. A construção do personagem não exige exagero, apenas entrega. É ele quem sustenta o filme mesmo quando a trama se perde nos próprios ruídos.

“Meus 84 m²” é mais do que um thriller sobre barulho. É uma alegoria brutal sobre os limites do corpo, da mente e da convivência sob um sistema urbano que implode por dentro. É sobre a guerra invisível que acontece nos corredores dos prédios, onde ninguém conhece ninguém e todos desconfiam de tudo. Talvez o filme pudesse ser mais coeso, talvez tenha ideias demais, talvez estenda demais a sua estadia. Mas como retrato de um presente insustentável, é difícil ignorar sua força.

“Meus 84 m²”
Direção: Kim Tae-Joon
Elenco: Ha-Neul Kang, Yum Hye-ran, Hyun-woo Seo
Disponível na Netflix

Avaliação: 3.5 de 5.

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