Há um certo tipo de cinema que nasce da urgência de parecer universal, mas que não entende que o peso da atmosfera vem antes da ambição. “Mikaela”, dirigido por Daniel Calparsoro, tenta equilibrar o impacto visual de uma Espanha soterrada por neve com a lógica de um thriller policial clássico. Só que nessa equação, o que sobra em intenção falta em densidade.
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A tempestade que paralisa o país, batizada de Mikaela, é um recurso interessante, e quase simbólico. A nevasca congela estradas, personagens e moralidades, criando um ambiente suspenso, isolado, onde os códigos de conduta parecem derreter junto com a lógica. E é justamente aí que o filme encontra seu maior trunfo: a ambientação como extensão do conflito humano. Quando funciona, a paisagem nevada opera como espaço de suspensão ética, onde o tempo desacelera e a tensão se concentra.
Só que “Mikaela” é muito mais eficaz no conceito do que na execução. O roteiro de Arturo Ruiz até entende os mecanismos do cinema de assalto e perseguição, mas se acomoda em fórmulas repetidas sem oferecer variações significativas. A história do policial veterano no lugar errado, na hora errada, já foi vista incontáveis vezes. E embora o filme tente atualizá-la ao inserir uma jovem parceira como contraponto geracional, a dinâmica entre os dois raramente escapa do previsível.
A direção tenta buscar energia onde o texto não sustenta tensão real. As cenas de ação são coreografadas com competência, mas carecem de impacto emocional. Não há consequência dramática para os tiroteios ou para os embates físicos. Tudo avança no piloto automático, com cortes eficientes e movimentos de câmera que parecem mais preocupados com a estética do que com a intensidade narrativa.
O elenco funciona dentro da proposta, mas também revela as limitações do material. Antonio Resines entrega uma performance segura, mas sem variações. Falta risco. Falta interioridade. Falta um subtexto que torne esse homem mais do que um clichê ambulante. A parceira mais jovem tem energia, mas é subaproveitada em um arco funcional, previsível, escrito para cumprir tabela.
E aí está o verdadeiro problema de “Mikaela”: é um filme que cumpre função, mas não cria experiência. Tudo é correto, calculado, funcional. Mas não há uma fagulha de ousadia, um momento de descontrole, um desvio de rota. O filme escolhe ser genérico quando poderia ser mais atmosférico, mais interno, mais intenso.
No fim, o que sobra é uma narrativa que poderia explorar melhor o confinamento, a sobrevivência e os limites da ética policial diante do caos. Mas opta por se manter confortável dentro de uma cartilha visual e dramática já gasta.
“Mikaela” é entretenimento raso vestido de tensão climática. Um suspense que passa como a neve sobre o asfalto: bonito à distância, mas incapaz de sustentar o peso de quem pisa.
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