Há uma tensão permanente entre o que se espera de um artista consolidado e o que ele próprio decide entregar ao público. Em “I’m The Problem”, quarto álbum de estúdio de Morgan Wallen, o cantor parece tomar essa tensão como premissa e ampliá-la ao ponto do esgotamento. A ideia de que o country mainstream pode ser expansivo, diverso em influências e abrangente em formato já havia sido levada ao limite em “One Thing at a Time”, mas agora essa abordagem se transforma em vício estrutural.
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O projeto é arquitetado a partir de um raciocínio comercial simples: entregar um produto denso em números, altamente fragmentável em plataformas digitais, e que se encaixe sem ruídos na cadeia de consumo atual. Nesse sentido, “I’m The Problem” é tecnicamente eficiente. Os arranjos seguem a linha estética já cristalizada por Wallen, com produção robusta, timbres familiares e um senso melódico apurado. Há uma homogeneidade controlada no som, pensada para soar segura e funcional. Porém, a própria segurança do projeto é o que compromete sua relevância artística. A ausência de risco, a previsibilidade narrativa e a insistência em um mesmo arco temático transformam o disco em um simulacro de si mesmo.
Wallen opera dentro de uma zona de conforto cuidadosamente construída, e o faz com absoluto domínio técnico. A entrega vocal é calibrada, os refrãos são projetados com precisão e a estética sonora nunca se afasta do padrão que o consagrou. Mas ao se apoiar exclusivamente em sua fórmula, o artista esvazia o potencial expressivo de sua obra. O álbum não se estrutura como narrativa coesa, nem como manifesto emocional, mas como um catálogo de repetição cíclica, onde cada faixa parece mais pensada como produto isolado do que como parte de um corpo orgânico.
O que agrava esse problema é a ausência de qualquer senso de economia. A extensão do álbum compromete a escuta ativa e dilui o impacto emocional. A falta de edição denuncia um processo criativo menos guiado por intenção artística do que pela necessidade de ocupação de espaço no mercado. “I’m The Problem” se constrói na lógica da saturação: quanto mais conteúdo, mais streamings; quanto mais faixas, maior a chance de entrar em playlists algorítmicas. Porém, ao se ancorar nessa lógica, o álbum perde qualquer noção de foco, de síntese ou de densidade criativa.
Há também uma questão simbólica em jogo. O título do álbum sugere uma autorreflexão que jamais se concretiza de forma verdadeira. A provocação embutida em “I’m The Problem” soa mais como um artifício de marketing do que como proposta conceitual. O disco não se compromete com o enfrentamento de conflitos pessoais nem com o reposicionamento artístico de Wallen. Ao contrário, reforça o lugar comum em que ele se colocou: o de alguém que reconhece as próprias contradições mas opta por não abordá-las de forma significativa. Não há catarse, não há confissão, tampouco evolução. Apenas uma reafirmação estética de uma persona já bem consolidada, sem arestas, sem nuance.
Tecnicamente, trata-se de um álbum bem produzido, polido ao extremo e musicalmente acessível. Mas é justamente essa acessibilidade absoluta que esvazia sua potência criativa. Ao invés de ser uma obra que propõe um olhar, um ponto de vista ou uma ruptura, o álbum se limita a replicar o que já funcionou antes. O artista que outrora parecia disposto a expandir os contornos do country contemporâneo agora se contenta em reiterar um molde com pouca elasticidade artística.
“I’m The Problem” representa, portanto, um ponto de saturação dentro da discografia de Morgan Wallen. Um álbum que, mesmo cercado de competência técnica e apelo comercial, falha em apresentar uma evolução artística significativa. Se em projetos anteriores havia um senso de descoberta, de tentativa e erro, aqui há apenas manutenção. E quando a manutenção se torna o único objetivo, o risco é que a música se transforme em um produto estéril, não por falta de talento, mas por excesso de conveniência.
Nota: 55/100
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