Baseado em um caso verídico que abalou a cidade de Valência em 2017, “O Jogo da Viúva” recria o assassinato de Antonio Navarro com precisão técnica e uma abordagem dramática que evita o sensacionalismo. Inspirado na chamada Viúva Negra de Patraix, o filme opta por uma estrutura narrativa em capítulos, organizada a partir de três pontos de vista distintos, o que oferece uma leitura múltipla sobre a construção da culpa, da manipulação e do crime passional.
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A proposta estética e narrativa da produção se alinha ao crescente interesse por thrillers baseados em crimes reais, mas com uma diferenciação importante: o filme evita exibir a violência do ato em si. O assassinato é tratado com distanciamento, o que desloca o foco da ação para a investigação e para o perfil psicológico dos envolvidos. Essa escolha ética, rara em obras do gênero, demonstra maturidade dramatúrgica e reflete um controle narrativo consciente.
O elenco é um dos pilares centrais do longa. Carmen Machi entrega uma performance sólida como a policial encarregada do caso, conferindo gravidade e credibilidade ao processo investigativo. Ao seu redor, a dinâmica entre os demais protagonistas mantém o interesse do espectador, especialmente na relação entre a protagonista Maje e Salva, que se baseia diretamente em gravações reais das escutas telefônicas que foram divulgadas durante o julgamento. A fidelidade aos registros da investigação é um dos trunfos do filme.
A estrutura dividida em três capítulos permite um mergulho gradual na trama, com cada parte revelando nuances complementares ao quebra-cabeça moral do crime. A direção opta por um ritmo crescente, sustentado por uma montagem cuidadosa e por uma trilha sonora que sublinha a tensão sem recorrer a exageros. A construção da ambiguidade em torno da figura de Maje é eficaz: inicialmente vista como uma viúva enlutada, ela é aos poucos revelada como uma personagem manipuladora, sexualmente ativa e calculista, com uma vida dupla que escapa ao olhar público.
No entanto, o roteiro perde força ao tentar ampliar o espectro dramático com subtramas pouco desenvolvidas e erotismo desnecessário. A dimensão sexual da protagonista, ainda que presente nos elementos reais do caso, é abordada com excessiva repetição e acaba desviando o foco da trama principal. A insistência nesse aspecto enfraquece a tensão narrativa e compromete o equilíbrio do filme.
A previsibilidade do enredo também afeta a experiência, especialmente para quem já conhece o desfecho do caso. A ausência de reviravoltas marcantes, somada à duração prolongada, compromete o ritmo e impõe certo desgaste ao espectador. Apesar da estrutura episódica funcionar como estratégia para dinamizar a narrativa, a repetição de pontos de vista e o prolongamento de certas cenas diluem o impacto dramático do conjunto.
Visualmente, “O Jogo da Viúva” é eficiente. A fotografia fria reforça o tom de distanciamento emocional, enquanto a direção de arte reproduz com fidelidade os ambientes reais. A edição, sobretudo nos momentos de escuta e interrogatório, funciona como um mecanismo narrativo poderoso, explorando com inteligência as trocas de olhares e silêncios. Há um equilíbrio técnico evidente entre mise-en-scène e narrativa, mesmo quando o roteiro hesita.
“O Jogo da Viúva” é uma produção correta e de atmosfera intrigante, que se beneficia da força do caso real, da competência de seu elenco e de uma direção que prefere a sugestão ao choque. Falta-lhe, no entanto, um ponto de virada mais incisivo e uma curadoria narrativa mais precisa para evitar digressões. Ainda assim, é um retrato interessante sobre manipulação emocional, crimes passionais e a teatralidade das aparências.
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