Existe um abismo entre querer fazer um filme noir e conseguir fazer um filme noir. “Sombras de um Crime” tenta atravessar esse abismo com uma bengala estilosa e a presença de Liam Neeson, mas tropeça na própria ambição. O resultado é uma produção esteticamente embriagada com a nostalgia, mas vazia, desarticulada e frustrantemente rasa, especialmente para quem conhece o legado de Philip Marlowe no cinema e na literatura.
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A premissa parece retirada diretamente dos clássicos: detetive solitário, mulher fatal, sumiço misterioso, família rica com segredos cabeludos, e claro, uma Los Angeles decadente como pano de fundo. O problema é que tudo isso soa mais como uma fantasia do que como uma narrativa funcional. “Sombras de um Crime” é como se alguém decidisse fazer um bolo só com a cobertura. Visualmente sedutor, mas estruturalmente oco.
Neil Jordan tenta evocar a alma de “Chinatown”, mas o que entrega lembra mais uma colagem de referências embaladas sem critério. O roteiro vai acumulando nomes, reviravoltas e pistas que não se conectam com consistência. A sensação constante é a de estar sempre chegando atrasado nas cenas e saindo antes que alguma coisa relevante aconteça. O filme anda em círculos e parece contente com isso.
Liam Neeson até poderia funcionar como Marlowe, mas está em modo automático. Sua atuação nunca encontra a melancolia sarcástica que define o personagem. Em vez disso, entrega um detetive exausto demais para convencer. Os diálogos saem mecânicos, os confrontos soam burocráticos, e a narrativa nunca aproveita a suposta inteligência do protagonista. Faltou cinismo, faltou veneno, faltou tesão por mistério.
Diane Kruger entra como a loira enigmática, mas seu personagem é tão mal desenhado que parece saído de um livro de regras de roteiro preguiçoso. Jessica Lange até tenta dar algum peso à trama, mas o filme inteiro parece mais interessado na pose do que na tensão. Nenhuma relação se aprofunda, nenhuma dinâmica se sustenta. É tudo muito raso, muito polido e completamente sem alma.
Se há algo que se salva, é o cuidado estético. A fotografia tem momentos belíssimos, e a reconstituição visual dos anos 30 flerta com o sublime. A cidade parece uma pintura, mas só parece viva quando ninguém está falando. Quando os personagens abrem a boca, o encanto desaparece e sobra um teatro de cartolina. A direção de arte trabalha sozinha, mas o restante do filme fica parado no tempo.
A tentativa de reviver o noir com ar moderno esbarra em escolhas equivocadas. O filme é surpreendentemente gráfico em alguns momentos, quase gratuito, como se estivesse desesperado por atenção. E talvez esteja. Porque mesmo com elenco, visual e uma franquia lendária nas mãos, “Sombras de um Crime” não consegue justificar sua própria existência. É um exercício de estilo que esqueceu de estudar o conteúdo.
Quem cresceu com “O Falcão Maltês”, “À Beira do Abismo” ou até mesmo “Los Angeles: Cidade Proibida” vai sentir falta de algo essencial aqui: substância. A trama de “Sombras de um Crime” está mais interessada em copiar fórmulas do que em compreender o que tornava os originais tão poderosos. É como ver um cover band de jazz tentando tocar Miles Davis sem entender a partitura.
No fim, sobra um filme que parece mais um comercial de perfume vintage do que um noir funcional. Tudo é fumaça, tudo é pose, tudo é uma lembrança distorcida de um gênero que merece mais respeito. Há um charme visual, sim, mas nenhum personagem que fique, nenhum momento que surpreenda, nenhum mistério que valha a pena. E isso, para um filme com Marlowe no nome, é um fracasso que nem o trench coat de Neeson consegue disfarçar.
“Sombras de um Crime”
Direção: Neil Jordan
Roteiro: William Monahan, Neil Jordan
Elenco: Liam Neeson, Diane Kruger, Jessica Lange
Disponível em: HBO Max
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