Existe um abismo entre idealizar uma nova vida e, de fato, se jogar no caos de recomeçar. “Too Much” nasce justamente desse colapso emocional, onde o deslocamento geográfico é apenas o primeiro passo rumo a uma reconstrução cheia de fraturas. O que começa como uma comédia romântica se recusa a se contentar com o conforto das fórmulas. Em vez disso, a série explode as expectativas do gênero ao confrontar seus próprios clichês com afeto, deboche e feridas abertas.
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Criada por Lena Dunham e Luis Felber, a série é, na superfície, sobre Jess, uma nova-iorquina emocionalmente caótica que decide se reinventar em Londres após um rompimento. Mas não é sobre Londres, nem sobre o ex, nem sobre a nova paixão. É sobre o labirinto emocional entre o que se espera do amor e o que ele realmente é. E o que ele realmente é, aqui, não tem nada a ver com finais felizes, trilhas doces ou grandes gestos românticos. Tem a ver com escombros emocionais, vícios que não se curam com afeto e a dura tarefa de aprender a existir sem se apagar no outro.
O humor da série é desconfortável e preciso, uma sátira que esbarra no grotesco sem perder a humanidade dos personagens. Megan Stalter entrega uma Jess absurdamente honesta em sua disfunção. Ela é errática, falante, inconsequente, mas nunca caricata. Sua performance transforma o que poderia ser apenas uma protagonista em crise num retrato dolorosamente cômico de uma geração inteira esgotada por relações performativas. A série acerta ao não tentar fazer Jess parecer melhor do que é. Ela não precisa ser fofa, simpática ou forte. Ela só precisa ser real.
Will Sharpe, como Felix, escapa do arquétipo do britânico romântico para encarnar um sujeito afetado por seus próprios destroços. O encontro entre os dois não se pauta em transformações mágicas, mas em atritos, recuos e pequenas rendições. Não há idealizações. Há falhas expostas, vícios emocionais e uma intimidade que só floresce porque ninguém mais tem energia para fingir.
Visualmente, “Too Much” entende que estética também comunica ruína. Londres é filmada com um olhar estrangeiro, meio encantado, meio exausto. Os espaços carregam estranheza e excesso, como se refletissem os próprios personagens. A série manipula tons com habilidade, oscilando entre o absurdo e o melancólico com transições sutis, nunca apelando para rupturas abruptas nem para lições de moral.
A presença de Lena Dunham é sentida na estrutura e na crueza. Mas é a colaboração com Felber que traz um frescor específico, uma desconstrução romântica ancorada em vivências reais, que sabe rir do ridículo sem banalizar a dor. “Too Much” é sobre o que acontece quando se tem tempo demais para pensar, sentir e se perder dentro de si mesmo. É uma história de amor que se recusa a ser romântica, e justamente por isso acerta em cheio.
Não espere comédia fácil. Não espere alívio emocional. O que a série entrega é o desconforto de perceber que, às vezes, o que parece amor é só ruído. E o que sobra quando o ruído passa talvez seja o começo de alguma coisa nova. Ou não.
“Too Much”
Direção: Lena Dunham, Luis Felber
Elenco: Megan Stalter, Will Sharpe, Michael Zegen
Disponível em: Netflix
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