“Até a Última Gota” não é só um suspense. É uma avalanche social disfarçada de narrativa simples, daquelas que parece que você já viu antes, mas que te desmonta quando percebe o que está realmente sendo contado. Tyler Perry larga o glamour, o exagero e o verniz, e aposta em um retrato desconfortável, sem qualquer anestesia.
Atenção: este texto contém spoilers sobre o desfecho de “Até a Última Gota”.
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Janiyah, interpretada com urgência por Taraji P. Henson, não está vivendo um dia ruim. Ela está sendo esmagada por uma sequência de estruturas falidas que insistem em chamarem de sociedade. Ela tenta, tropeça, apanha, respira fundo e tenta de novo. Até que o mundo resolve cuspir de volta. E aí, já não é mais uma história sobre uma mãe solteira. É sobre o colapso inevitável de quem grita por socorro em silêncio.
A partir do momento em que ela é atropelada por uma viatura policial, tudo escorrega. Ela perde o emprego, é acusada de conspirar contra o próprio patrão, mata esse mesmo patrão, vai ao banco descontar o salário atrasado e acaba sendo tratada como uma terrorista. Tudo isso em menos de um dia. Parece absurdo? O filme está justamente interessado em mostrar como o absurdo é rotina quando você nasce no lado errado do sistema.
Quando o roteiro revela que a filha da personagem já havia morrido e que ela estava, de certa forma, alucinando a presença da menina como um mecanismo de defesa, o filme vira a chave de vez. Não é mais sobre o que ela fez. É sobre tudo que ela perdeu antes mesmo de fazer qualquer coisa. E essa é a porrada final.
Janiyah não é uma criminosa. É uma consequência. É o retrato bruto do que acontece quando ninguém escuta, quando ninguém oferece nem o mínimo. A comoção só começa quando as câmeras são ligadas, quando a imagem se transforma em espetáculo. Até ali, tudo era invisível.
A escolha de mostrar uma população inteira se sensibilizando pela história dela, transmitida ao vivo de dentro do banco, funciona como crítica direta à seletividade da empatia. As pessoas só se importam quando dá ibope. Só quando a polícia aponta a arma é que alguém pergunta quem é a pessoa no alvo.
No final, Janiyah se entrega. O peso do luto finalmente atinge o que restava da lucidez. Ela sabe que não vai vencer o sistema, mas talvez, ao menos, alguém tenha finalmente ouvido o que ela gritava por dentro desde o começo do filme. Ela não precisava de piedade. Precisava de estrutura, de dignidade, de uma rede que nunca esteve ali.
Tyler Perry não entrega um final feliz. Ele entrega um final possível. Agridoce, cru, desconfortável. Porque essa é a única forma de fazer sentido quando se fala da realidade que muitos fingem não ver.
“Até a Última Gota” não quer consolar. Quer cutucar. E cumpre com precisão.
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