É raro testemunhar um instante em que o espetáculo e a história colapsam no mesmo ponto geográfico. Mas foi exatamente isso que aconteceu na noite de 3 de maio de 2025, quando Lady Gaga transformou a Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, em um monumento vivo da cultura pop global. Mais do que um show gratuito, o que se viu foi um acontecimento de natureza quase mítica: 2,1 milhões de pessoas reunidas à beira-mar, num encontro entre arte, caos, devoção e potência simbólica. O número impressiona, não só por ser o maior público já registrado para uma artista feminina em toda a história da música, mas porque o evento rompeu as fronteiras do que entendemos como performance e se impôs como marco cultural incontornável do nosso tempo.
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A artista norte-americana, que vinha de apresentações como headliner no festival Coachella e de estádios lotados na Cidade do México, levou ao Brasil a encarnação mais ambiciosa de sua atual fase artística: os shows promocionais da “The Mayhem Ball”, concebida como uma ópera gótica em cinco atos e apresentada aqui como o ápice da primeira edição do evento “Todo Mundo no Rio”, promovido em comemoração aos 100 anos da cerveja Corona. Além da Corona, o show contou com patrocínios do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Prefeitura do Rio, do Santander (banco oficial), da LATAM (companhia aérea oficial), de Zé Delivery, Guaraná Antarctica e Beats. Entre as marcas apoiadoras, estão C&A, TRESemmé, 99, Absolut, Eventim e Deezer (player oficial). A produção é da Bonus Track em parceria com a Live Nation.
A proposta do espetáculo era construir um mundo. Um mundo distorcido, extravagante, gótico, teatral e profundamente autorreferente, em que Lady Gaga assume diversas formas, representações e identidades, num balé dramático entre sombra e luz. O palco, inspirado em uma ópera brutalista, dominava a paisagem com estruturas geométricas, tons escurecidos e uma cenografia que evocava tanto uma ruína sagrada quanto um delírio de Alexander McQueen. A estética visual foi sustentada por um exército de estilistas: Peri Rosenzweig, Nick Royal, Sam Lewis, Dilara Findikoglu, Manuel Albarran, Francesco Risso (Marni) e a marca canadense Matières Fécales nomes que ajudaram a consolidar uma linguagem visual de alta moda e densidade simbólica.
Na abertura do show, Gaga surgiu de um vestido de estrutura metálica como uma aparição operática, envolta em uma capa vermelha dramática de Sam Lewis, numa das imagens mais fortes da noite. No segundo ato, foi “enterrada na areia”, cercada por esqueletos e usando um vestido corsetado de Findikoglu, reforçando a ideia de renascimento e fragilidade. Em “Paparazzi”, surgiu coberta por uma armadura metálica desenhada por Albarran, como se estivesse travando uma guerra contra a própria fama. E no encerramento, em “Bad Romance”, surgiu envolta em penas brancas da Matières Fécales, uma figura quase angelical, mas de olhos febris símbolo do paradoxo que define sua obra: pureza e monstruosidade, vulnerabilidade e controle, caos e beleza.

A divisão em cinco atos é central na experiência da turnê, e também foi mantida na íntegra no show em Copacabana:
Ato I – “Of Velvet and Vice”: Gaga abre o espetáculo em clima sombrio e decadente, vestindo um imenso traje vermelho sangue. “Bloody Mary”, “Abracadabra” e “Judas” moldam um início teatral, refletindo o conflito entre o brilho da fama e os vícios que ela acarreta.
Ato II – “And She Fell Into a Gothic Dream”: mergulha no delírio gótico da celebridade, onde Gaga enfrenta o peso das expectativas públicas e o esfacelamento da identidade pessoal. “Perfect Celebrity”, “Disease” e “Paparazzi” compõem esse mergulho na ilusão fabricada.
Ato III – “The Beautiful Nightmare That Knows Her Name”: o segmento mais visceral da noite, com “Killah”, “Zombieboy” e “Die with a Smile”. Aqui, a artista confronta seus próprios fantasmas, um pesadelo belo e impiedoso.
Ato IV – “To Wake Her Is to Lose Her”: a introspecção toma conta do palco, com baladas como “Shadow of a Man”, “Born This Way” e “Shallow”. A adição de “Blade of Grass”, tocada ao piano exclusivamente nos shows da Cidade do México e do Rio, foi um dos momentos mais íntimos da apresentação, quase uma confissão a céu aberto.
Final – “Eternal Aria of the Monster Heart”: o encerramento é grandioso, com a força de “Bad Romance” reafirmando Gaga como criatura mitológica da música pop, encarnando o monstro e o ícone ao mesmo tempo.
A performance de “Poker Face” incluiu ainda uma cena coreografada de luta entre Gaga e sua própria doppelgänger, simbolizando o embate interno entre persona pública e essência privada uma constante na obra da artista e, especialmente, no álbum “Mayhem”, que serve de base para o espetáculo.
Lançado como uma colagem sonora de múltiplas identidades, “Mayhem” é o álbum mais ousado da artista em termos de conceito e densidade emocional. Gaga descreve o disco como “um espelho quebrado”, onde cada fragmento, mesmo imperfeito, reflete uma parte legítima do todo. Faixas como “Perfect Celebrity” discutem a superficialidade da fama, enquanto “Shadow of a Man” e “Die with a Smile” exploram o esfacelamento da alma sob os holofotes. A dualidade é tema central entre persona e verdade, figura pública e trauma privado. Gaga não só representa diferentes versões de si: ela as vivencia com brutal honestidade. Como escreveu no encarte do disco: “Deixem a música levá-los para muito, muito longe de seu próprio caos, e para dentro do caos da música.”
Comparações com o histórico show de Madonna em maio de 2024 também em Copacabana foram inevitáveis. Com 1,6 milhão de pessoas na plateia, a apresentação da Rainha do Pop marcou os 100 anos do Itaú e entrou para a história. Mas, mais do que rivalidade, o que há entre Gaga e Madonna é continuidade. Gaga não ocupa o lugar de Madonna ela amplia esse território. Madonna desafiou a moral sexual, os papéis de gênero e o conservadorismo cultural nos anos 80 e 90. Gaga, duas décadas depois, transforma essas bandeiras em plataformas de ativismo direto: saúde mental, direitos LGBTQIAPN+, inclusão, acolhimento e empatia. A Born This Way Foundation, que oferece suporte emocional a jovens em situação de vulnerabilidade, é apenas uma das expressões concretas desse engajamento.
Copacabana já foi palco de momentos gigantescos dos Rolling Stones (2006, 1,5 milhão de pessoas), de Madonna (2024, 1,6 milhão), e do lendário Rod Stewart na virada de 1994 para 1995 (com público estimado entre 3,5 e 4 milhões, ainda o maior da história, registrado pelo Guinness Book). Mas o que Lady Gaga entregou no Rio é algo distinto. O número, por si só, é histórico. Mas o impacto reside menos na contagem de corpos e mais na densidade artística do que se viu ali. Ao contrário de shows pautados apenas por hits e carisma, Gaga apresentou uma narrativa coerente, conceitual e corajosa, que dialoga com o tempo em que vivemos e que se sustenta como obra total: música, moda, política, teatro, poesia e manifesto.
Em tempos em que a cultura pop se dilui em fórmulas e algoritmos, Gaga reafirma o poder do espetáculo como forma de expressão política e poética. Sua presença no Brasil, diante de mais de 2 milhões de pessoas foi um ato cultural, social e simbólico de alcance global. Um lembrete de que, quando se alia propósito a talento, arte a risco, e voz a significado, o impossível deixa de ser uma hipótese. E se torna história.
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