Leal, compositor, cantor, educador, ativista cultural e socioambiental, iniciou sua vida musical atuando na área de educação e em trabalhos nas periferias paulistanas. Ao longo de suas vivências profissionais e pessoais, Leal acumulou um repertório autoral formado por canções que abordam as belezas e complexidades das relações, além de expressar uma visão crítica e reflexiva sobre a diversidade social.
Desde maio, Leal vem ao mundo com seu projeto de estreia, compartilhando pílulas do seu exercício de composição, identidade e autenticidade em faixas autorais no EP “SIM“. Se antes o público ficou com o gosto de “quero mais“, o artista agora apresenta o álbum “LEAL“, composto por oito novas canções, totalizando 12 faixas autorais para saciar essa sede, com participações mais que especiais, como Ney Matogrosso, Davi Kopenawa e Bia Ferreira.
Com direção geral de Lua Leça, que também assina a direção artística ao lado de Rebeca Brack, o projeto autoral “LEAL“, produzido por Big Rabello e Felipe Roseno, reverencia os mestres e mestras da cultura tradicional brasileira. Mesclando diferentes referências da MPB e da world music, propõe uma trama pop fundamentada em nossas raízes para expressar, através de suas composições, as histórias do mundo em que vivemos e toda sua pluralidade.
O Caderno Pop entrevistou o cantor sobre o lançamento do disco, sua visão da indústria musical e a importância dos artistas em nossa sociedade. Além disso, fizemos um faixa a faixa que percorre todo o disco. Veja a entrevista completa abaixo:
Como está a expectativa e como você está se sentindo com esse lançamento. Você veio de um EP que já disse bastante coisa. O álbum fala sobre muita coisa, né? É uma continuidade bacana. Queria saber como está se sentindo nesse primeiro momento.
Estou muito feliz e realizado. Sinto-me aliviado por finalmente começar a lançar tudo após tanto tempo trabalhando e amadurecendo o projeto. Foi um processo que envolveu muitos âmbitos, inclusive além da música, com projetos gráficos e tudo mais. Estou muito feliz e realizado, com muita vontade de realmente chegar lá.
Você começou sua carreira na educação, nas periferias de São Paulo. Como essas experiências moldaram você até aqui? O álbum reflete muito sua experiência pessoal, e vejo uma continuidade entre as faixas que conta uma história completa. Queria entender mais sobre esse universo que você criou.
Na verdade, eu não compus as músicas pensando em um álbum. Foi um exercício de composição para elaborar meus conteúdos internos, como a gente faz ao sonhar. Compor, para mim, é uma forma de organizar sentimentos e pensamentos. Fui nomeando minhas inquietações, sentimentos, emoções, indignações, amores, dores, e as belezas do amor. Minha obra é profundamente marcada pela minha biografia, pois foi a partir dessas experiências que compus. Fiz músicas para meus alunos, sobre minhas relações, para minha família e sobre os territórios onde trabalhei. Daí surgiu “Jardim é Jardim”, a primeira faixa editada com parceiros da Zona Sul. No disco, há uma segunda versão com a participação especial da Bia Ferreira, que conheci através do Festival Percurso e do pessoal da Agência Solano Trindade. Ao longo dos anos, me abasteci de referências culturais, tanto da cultura tradicional quanto do hip-hop e da inteligência periférica. Tudo começou lá atrás, com a psicologia, ouvindo Racionais antes mesmo da faculdade, o que me despertou para olhar além da minha bolha.
Você mencionou o Campo Limpo e a juventude de hoje em dia, que é geralmente o público com quem você se comunica. É bacana ver alguém como você contando suas histórias e as dos outros.
Totalmente. Ecoando o que vivo e o que busquei. Desde que tive notícia do Sarau, por exemplo, a música foi uma via de acesso a diferentes realidades para mim. Conhecer a história por trás de cada música e superar preconceitos e estereótipos através das relações humanas. Mesmo faltando dinheiro, infraestrutura e direitos, há uma resiliência admirável. Sempre foi inspirador beber dessas fontes e reverenciar esses mestres e saberes.
Falamos bastante sobre questões sociais e como isso está amarrado na arte hoje. Qual sua perspectiva sobre o papel do artista na indústria musical atualmente? Qual sua ideia do artista ideal hoje?
Eu costumava pensar que a arte não deveria ser engajada, mas mudei de opinião. Acho que estamos a serviço e temos responsabilidades com as mensagens que transmitimos. Um artista pode ser irreverente, provocador, disruptivo, e não sou a favor de censura de nenhuma espécie. Mas temos uma responsabilidade e podemos potencializar coisas boas através da arte. A arte transforma a si mesmo e aos outros. O artista ideal está em constante transformação, vivendo conectado consigo mesmo para poder se conectar com os outros de forma positiva.
Faixa a Faixa do disco “LEAL”:
“Desprocrastinar”
“Desprocrastinar” é uma faixa pandêmica. Tem músicas antigas e novas, compostas durante a pandemia, formando um arranjo entre o velho e o recente. Ela reflete sobre como me senti durante a pandemia, os desafios de manter a vida acontecendo apesar das limitações. Foi uma forma de expressar minhas angústias e dizer a mim mesmo o que precisava ouvir para seguir em frente. Descobri essa palavra compondo, e encaixou perfeitamente no verso que eu queria.
“Pegada”
“Pegada” foi quase uma ata de uma reunião sobre literatura indígena, envolvendo pesquisa e contato com pessoas como Júlia Dorrico e Moara Tupinambá. Já tinha um trabalho ligado à Amazônia desde 2008, e essa música surgiu após essa reunião, em parceria com a Fernanda Reno.
“Karma” com Ney Matogrosso
“Karma” foi composta ao final de um processo ayurvédico chamado Pantyakarma. Reflete sobre aspectos dionisíacos e como equilibrá-los sem abrir mão do Eros e do alimento. A música saiu muito rápido e depois tive a honra de ter o interesse do Ney para gravá-la.
“Cúmplice”
Leal: “Cúmplice” também é pandêmica e aborda relações de longo prazo, reconhecendo erros e renovando votos. É uma música muito importante para mim, refletindo crises e valorizações em uma relação.
“Balança”
“Balança” é uma declaração de amor mais irônica e atual, uma paquera direta e flexível. Adoro dançar essa música.
“Canto do Perdão”
“Canto do Perdão” é uma música antiga que ganhou uma nova roupagem com a ajuda dos produtores. Tem uma densidade que eu jamais alcançaria sozinho com voz e violão.
“Canto do Mar”
“Canto do Mar” é uma música que fiz para meu filho quando ele tinha dois meses. É um acalanto, uma reza para acalmá-lo e me manter calmo. Fala sobre a ponte entre as gerações, eu como pai e como filho.
“Jardim é Jardim” com Bia Ferreira
“Jardim é Jardim” retrata o social e como assumir corresponsabilidade pela realidade. Fala sobre empatia, quebrar barreiras e colaborar para construir um mundo melhor. Tive a chance de gravar com a Bia Ferreira, o que foi uma honra.
“Filho da Pátria”
“Filho da Pátria” surgiu de uma profunda indignação com o momento que vivíamos. Foi inspirada por absurdos como a confusão entre Amazonas e Amapá. Adaptei um verso do Luiz Caldas e a música nasceu na minha cozinha durante a pandemia.
“Você”
“Você” é uma música muito especial para mim. Eu adoro o retrato delicado que ela apresenta. É uma homenagem à minha musa maior, e tenho muito carinho por essa parte do álbum.
“Dois Irmãos”
“Dois Irmãos” é uma música que fiz para meu irmão. Ela fala sobre um momento de reconexão entre nós, após uma fase difícil. Foi maravilhoso poder tê-lo de volta como parceiro. Não houve nenhuma grande rachadura na nossa relação, mas foram etapas da vida em que foi mais difícil se relacionar. Quando nos reconectamos, celebrei essa parceria com essa música
“Lógica Maneira” com participação do Davi Kopenawa
Isso mesmo. Foi uma honra ter o Davi ao meu lado nessa faixa. Ela surgiu das minhas andanças pela Amazônia, conhecendo as comunidades tradicionais do Tapajós e Mamirauá. A música foi muito inspirada nas obras do Lenine, e após um tempo parada, finalizei a letra antes da pandemia. Quando retomei o projeto do álbum, que acabou se transformando devido às mudanças do mundo, pensei em incluir uma grande fala originária. Conheci o Davi em uma viagem com o pessoal do Saúde e Alegria e, através de parceiros, consegui acessá-lo. Ele aceitou o convite e escreveu uma fala muito forte. Foi uma grande honra e responsabilidade.