A cantora e compositora paraense Luê lançou seu mais novo álbum, intitulado “Brasileira do Norte”. Conhecida por sempre equilibrar suas principais inspirações, sendo elas sua cultura nortista e o pop mais eletrônico, a artista mergulha nessa encruzilhada no novo disco, conectando esses mundos “teoricamente tão distantes”.
Para Luê, o novo álbum é “meu disco mais identitário”, trazendo 16 faixas, incluindo interlúdios, que passeiam por diversos elementos da cultura nortista. Com ritmos, sotaques, palavras e símbolos pouco conhecidos fora da região norte, “Brasileira do Norte” é sobre o orgulho de ser nortista. Ela explica que essa virada começou quando percebeu que precisava de músicas novas, mas estava sem inspiração. “Não sabia qual assunto queria abordar, qual seria a estética musical e visual, nada me fazia brilhar os olhos,” lembra. “Eu gosto de muita coisa, pesquiso muito e tenho diversas referências, mas me sentia diluída no meio de tanta informação.“
A partir daí, Luê iniciou uma investigação de si mesma. “Se eu limpasse todas essas camadas, onde eu chegaria? Qual o núcleo de tudo? O motivo de tudo? O que me faz querer fazer música?” A partir dessas provocações, ela entendeu que era o momento de renovar o pacto com a música regional amazônica, sua primeira escola de música. Em “Brasileira do Norte”, buscou se reconectar com a rítmica e cultura popular nortista, junto aos beats eletrônicos que também são sua paixão.
No álbum, Luê se dedica a essa missão, encontrando, finalmente, esse ponto de encontro. Com a presença de outros grandes nomes nortistas como Gaby Amarantos, Dona Onete, Fafá de Belém e Raidol, e de outros grandes artistas, como Johnny Hooker, “Brasileira do Norte” conta tudo sobre a identidade da cantora. “Depois que eu entendi que era pelo viés identitário que eu queria seguir nesse projeto, eu e o Mateo, produtor do disco, começamos a elaborar. O disco todo foi feito ao longo de três anos, então foi bastante tempo para pesquisar e pôr a mão na massa. Tivemos muitos papos, muitas pesquisas, muitas horas de experimentação. Eu não chegaria sozinha nessa sonoridade, e só foi possível porque nossa troca foi muito aberta e fluida.”
Homenageando facetas da cultura da região norte, como os Bailes da Saudade, a sorveteria Cairú, o fenômeno da brea e os diversos ritmos envolvidos no projeto, Luê escreve uma carta de amor à região. O álbum, dividido em dia e noite, seção que começa após a faixa “Boizinho”, engloba tudo que ela tanto ama, tanto no norte quanto na cultura pop. “Todos os artistas que colaboraram com esse projeto são pessoas que eu admiro muito, sou fã de verdade e fiquei muito feliz por eles terem topado cantar comigo!“
Luê compartilha uma história marcante das colaborações: “Tem algo que eu adoro e acho curioso, que é perceber como as coisas acontecem no seu tempo mesmo. Por exemplo, ‘Luê-Luê’ (interlúdio que abre o disco) é um áudio de celular de 2010 ou 2011, de um dia em que fui com meu pai na casa da Dona Onete em Belém porque, na época, eu buscava uma composição dela para gravar no meu primeiro disco (A Fim de Onda, 2013). Chegamos lá e ela nos mostrou essa canção, linda, mas achei tão especial esse áudio simples de celular que optei por usar ele ao invés da música toda. Me encanta essa coisa do processo, sabe? Acho de uma riqueza o registro de algo que está a caminho, que está maturando.”
A cultura nortista é riquíssima e muitas vezes pouco conhecida fora da região. Luê espera que “Brasileira do Norte” contribua para a disseminação e valorização dessa cultura. “Eu gosto muito dessa pergunta porque é uma oportunidade de dizer que ‘Brasileira do Norte’ é um recorte do que é esse Norte. É um Norte meu, é a minha visão, a minha saudade desse lugar de onde eu venho, que eu moro longe há tanto tempo já. É a minha forma de me conectar com o lugar de onde eu venho.“
Ela enfatiza que o Norte é gigantesco, e muitas vezes, os próprios nortistas não se compreendem tão bem, não se conhecem totalmente. “Por conta dessa coisa geográfica de ser muito grande, é normal que isso aconteça. Então, eu acho importante frisar isso. ‘Brasileira do Norte’ é um recorte meu, uma visão minha. Mesmo assim, eu quero que as pessoas do Norte escutem esse disco e se vejam nele de alguma maneira. Quero que elas se sintam representadas pelo que eu estou dizendo. E as pessoas que não são do Norte, quero que escutem esse disco e sintam genuinamente curiosidade. Eu quero instigá-las com esse trabalho, que sintam vontade de ir para o Norte. Quero que elas entendam, estejam abertas ao que a gente tem a dizer, enquanto nortistas, enquanto brasileiros desse Norte. Eu sinto que o Brasil pouco conhece da gente e ainda não nos abraçou totalmente, as coisas que a gente tem a dizer – e eu espero, de verdade, que as palavras estranhas, os ritmos diferentes que eu trago nesse disco, que não assuste, que seja um convite para conhecer o Norte.“
Para finalizar, Luê compartilha onde gostaria que seu álbum fosse ouvido. “Com certeza seria em Bragança, que é a cidade, no interior do Pará, de onde meu pai é, de onde boa parte da minha família por parte de pai é. Eu me criei entre Belém e Bragança, foi onde conheci a Marujada de São Benedito, que é uma festividade que acontece lá há muitos anos, onde conheci a rabeca, por conta da Marujada, porque é um dos principais instrumentos dessa manifestação cultural, religiosa e tudo mais – e é onde fica a praia de Ajuruteua, que é, inclusive, o nome de uma das faixas do disco. Então, muitas conexões aí. Para mim, com certeza, esse é o lugar ideal, onde eu gostaria de estar agora, inclusive.“