Em uma São Paulo marcada por contrastes e divisões geográficas, o artista Leal e seus parceiros dão vida ao projeto Jardim a Jardim, usando a música como uma potente força para atravessar os “cânions sociais” e articular transformações na metrópole. A iniciativa é um testemunho do poder transformador da arte, unindo talentos de “Jardins” centrais (como Paulista e Guedala) a artistas de periferias (como Jardim Ângela e Campo Limpo), cruzando as pontes que interligam os bairros da Capital paulista.

Em entrevista, ao Caderno Pop, Leal – que acumula 25 anos de experiência no Terceiro Setor – detalha a gênese do projeto, a riqueza dos encontros e sua visão sobre o papel da arte na sociedade.
A base do “Jardim a Jardim” está na busca de Leal por contextualizar suas origens e seu amadurecimento como autor na interação com vários parceiros. Ele revela que o projeto nasceu de uma inquietude pessoal: “Eu acho que a ideia da série do Jardim a Jardim, ela tem a ver com essa coisa de poder contextualizar um pouco de onde vem esse artista”.
A centelha veio na adolescência: “Eu falo que os Racionais foi super importante para mim, no sentido de, de, de formar uma visão de mundo, né? Crítica”. Essa admiração se desdobrou em um trabalho social de longa data, passando pela faculdade de psicologia e pelo Terceiro Setor.
Para Leal, o convívio com as comunidades periféricas foi um divisor de águas: “A relação que eu tive […] é que você não vai ajudar. Você acha que, ou quem acha que vai ajudar, chega lá e depois sai balançado porque entende que tem toda uma troca. A gente se ajuda mutuamente, se fortalece, a gente coopera, se responsabiliza”.
Ele resume sua postura no projeto como a de “ser um músico/cidadão que chega para fazer música, vivendo e compreendendo sua cultura e a do outro”. Afinal, o “Jardim a Jardim” é “a materialização do sonho de aprofundar a relação entre mundos apartados, mas que pulsam na mesma cidade com diferentes ‘riquezas’”.
Os encontros que deram origem ao projeto foram articulados por meio de cooperações do Terceiro Setor. O contato com a turma do coletivo A Banca (Diel Owdi, Macarrão e Bola) aconteceu em um programa com lideranças. Depois, indo ao Jardim Ângela para um encontro com jovens, Leal conheceu a equipe e compôs a canção-título.
A música se tornou a “ponte sonora” ideal, um “lugar de encontro mais horizontal” entre as organizações. Leal e seus parceiros misturaram referências que vão do hip-hop ao fandango e manguebeat. “A gente chegou com cavaco, viola, alfai, pandeiro, o Léo Melo também, meu parceiro lá, trazendo… Então, essas referências da cultura popular que não estavam tão, assim, claras para eles”.
A rabeca, por exemplo, um violino rústico feito artesanalmente pelos fandangueiros do Vale do Ribeira, nunca esteve tão próxima do rap. Para o artista, promover essa fusão é essencial: “Esse diálogo é muito interessante, essa troca de referência e tirar um pouco, né, dar uma bagunçada nisso, nesses estereótipos”.
Para Leal, a arte tem um papel crucial que vai além do entretenimento. “Um dos sinais de desequilíbrio da nossa sociedade é porque a gente relegou a arte ao entretenimento”. Ele também enxerga a arte como uma poderosa ferramenta de desenvolvimento humano e coesão social.
O projeto está documentado em uma série de episódios que revisitam os encontros em diferentes frentes – social, política e artística. O Festival Percurso, por exemplo, foi pensado para “tirar a turma da zona de conforto” da Vila Madalena e levá-la para a Zona Sul, mostrando a “riqueza” e a “gente boa” do território.
O projeto segue ativo. A canção “Jardim a Jardim” foi regravada com Bia Ferreira e batiza o selo de Leal. O artista se prepara para lançar o álbum “Leal” em vinil e planeja novas temporadas da série com mais colaborações.
Confira as sinopses dos episódios:
- Episódio 1 (“Instituto Favela da Paz”): Focado na escuta ativa e compassiva, com uma narrativa educativa sobre sustentabilidade e as múltiplas ações do instituto. Claudinho é descrito como um ser iluminado e querido. “Eu tinha um sonho, que era mudar o lugar sem mudar daqui”, diz Claudinho. O compositor, Leal, traz além da canção que batiza o projeto, a faixa inédita “Um Rio”, voz e violão.
- Episódio 2 (“A Banca”): Aborda o ativismo e o posicionamento da quebrada, um reencontro desafiador e emocionante com amigos que viveram muito. Tati Pi atua como um bálsamo na conversa. É acompanhada pelas faixas “Maracatu de Chão”, em performance coletiva, e Leal solo em “Face Tua”. “Penso que a periferia só surgiu depois do Racionais MCs. Tinha muita gente da quebrada e de fora que não enxergava a periferia. Depois do Racionais, foi uma coisa de se empoderar, de falar ‘é nóis’ e de se orgulhar”, conta o baixista Dom Maka.
- Episódio 3 (“Organicamente Rango”): Uma “profusão de ideias”, com Thiago Vinícius e Tia Nice trazendo a dimensão humana dos “corredores de afeto” e a conexão com figuras como Ney Matogrosso e a história da comunidade a partir da obra e biografia de Solano Trindade contada pelo neto, músico e escritor, Vitor Trindade. O capítulo é embalado por “Dois Irmãos” e “Ultramar”, de Leal, e “Garoto do Pandeiro”, de Tati Pi. “Vocês estarem vivos aqui é político; não é partidário, pois política é tudo o que o cidadão faz. Vocês são da Sul, eu passei minha vida na Leste e chamava o Centro de Cidade, pois onde eu morava não era a Cidade”, resume a cantora Kennya Macedo
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