
Quem conhece os Titãs desde a década de 1980 sabe que a banda nunca deixou de levar críticas sociais e políticas em suas canções. E 40 anos depois do início da banda, Tony Bellotto, Branco Mello e Sérgio Britto estão mais certeiros que nunca no álbum “Olho Furta-Cor” que sai nesta sexta-feira (2). Produzido por Rick Bonadio e Sérgio Fouad, o disco traz 14 faixas, uma composição de Rita Lee, Roberto de Carvalho e Beto Lee (que também é o guitarrista que compõe a banda junto com o baterista Mário Fabre), além de faixa com participação de coral de crianças e tribo indígena e, claro, muito rock.
Em ano de eleição, claro que a banda quis trazer muito contexto político nas letras e uma busca por mudança no cenário. Esse foi um dos assuntos do bate-papo que o Caderno Pop teve com Tony Bellotto nesta semana. A banda sai em turnê a partir de 10 de setembro, estreando na capital paulista e, em breve, com shows por todo o Brasil. Confira nossa entrevista:
Vocês estão comemorando 40 anos de carreira e eu queria saber por que vocês estão lançando um álbum de inéditas e não um álbum comemorativo. Tem algo a ver com o lançamento do álbum “Trio Acústico” há pouco tempo ou tem alguma coisa em segredo por vir?
A gente vinha pensando o que fazer pra comemorar os 40 anos, até tínhamos uma ideia de tentar fazer um show comemorativo, mas quando foi chegando, vimos que todas as bandas que começaram com a gente estavam fazendo 40 anos. E virou quase que um lugar-comum. Capital 40 anos, Paralamas 40 anos. A gente até participou de alguns festivais em várias capitais que reuniram várias bandas da nossa geração, e resolvemos comemorar os 40 anos de um jeito diferente, justamente lançando um disco de inéditas, pra dizer assim: ‘A gente tá fazendo 40 anos, mas estamos trazendo trabalho novo, criando coisas novas, olhando pra frente, pensando no presente e no futuro’, foi um pouco essa ideia.
E o novo disco está tão Titãs como sempre, político, totalmente rock. Tem algo a ver com o ano de eleição e os acontecimentos recentes?
Eu acho que tem a ver sim. Esse ‘Olho Furta-Cor’, como muitos dos nossos discos, é um olhar nosso, uma crônica nossa sobre o que tá acontecendo, sobre o mundo em torno de nós. O ‘Cabeça Dinossauro’ foi isso, o ‘Nheengatu’ foi isso, ‘Tudo Ao Mesmo Tempo Agora’, ‘Titanomaquia’, e o ‘Olho Furta-Cor’ não fugiu. Quando a gente começou a pensar no disco tinha essa coincidência das efemérides, as datas: 2022 o ano que a gente faz 40 anos, 200 anos da Independência, 100 anos da Semana de Arte Moderna Paulista, um movimento muito importante que transformou toda a arte moderna, e o fato da gente ser uma banda paulista, tudo isso foi inspirando a gente a criar esse disco com o conceito do que acontece no Brasil, tem um foco na cidade de São Paulo que aparece em duas canções, um poema do Haroldo de Campos, um grande poeta concreto paulistano que a gente musicou o poema, então acho que tem sim uma ideia no disco de ser um retrato do Brasil e do momento que vivemos hoje. Várias coisas citadas ali. A gente abre com ‘Apocalipse Só’, que fala de desmatamento, devastação, destruição de povos indígenas, ‘Caos’, aquela música maravilhosa que a Rita Lee, Roberto de Carvalho e o Beto Lee fizeram pra gente, que fala diretamente, explicitamente sobre essa questão política, tem várias outras… ‘Há de Ser Assim’, ‘Um Mundo’ fala da polarização, distância entre as pessoas, então vários desses temas aparecem no disco. ‘Eu Sou o Mal’, fala da presença desse mal absoluto que a gente convive hoje em dia, desde as ameaças do governo à democracia ao número de feminicídios, essa violência toda descontrolada. Enfim, o disco é contaminado pelo momento político brasileiro sem dúvida.
Você falou de São Paulo, uma cidade muito violenta. Como vocês lidam com a segurança de São Paulo?
Eu moro no Rio, mas hoje eu tô em São Paulo porque viemos ensaiar. Venho sempre a São Paulo, mas moro no Rio que é uma cidade até mais violenta, porque tem toda uma questão de lá ser o berço das milícias e acho que é um problema das grandes metrópoles e do Brasil inteiro. Essa coisa da violência tá muito descontrolada, a gente vê uma polícia muito despreparada no Brasil inteiro, em São Paulo não é diferente e no Rio é pior ainda. A gente tem uma polícia que tem muito do ranço daquela polícia da ditadura de 50 anos atrás; essa cultura da violência contra a mulher que é um negócio horrendo; as pessoas sem dinheiro que são situações que levam à violência; polarização política; estratégia política do bolsonarismo que é a violência; esse governo que promove o armamento da população, então é uma questão muito séria e que precisa ser resolvida. Eu e todos os Titãs estamos muito desiludidos com isso e temos uma esperança nesse momento de eleição pra tentar mudar o estado das coisas. O Brasil precisa muito de uma reestruturação.
O Beto Lee já está com vocês na estrada há um tempo e eu queria saber como as guitarras foram divididas entre você e ele no disco.
O Beto é um excelente guitarrista e eu vou dizer, de todos os guitarristas com quem eu já trabalhei nos Titãs… é claro que eu tenho um carinho especial e inesquecível com a parceria com o Marcelo Fromer, o primeiro outro guitarrista dos Titãs quando a gente começou que teve aquela morte trágica 21 anos atrás, mas o Beto Lee é o melhor guitarrista com quem eu já trabalhei nos Titãs, até pela experiência que eu adquiri nesses 40 anos de carreira. O Beto é um guitarrista fantástico e adequado ao tipo de música que a gente faz. Ele é um guitarrista muito ‘titânico’, aliás, muito fiel ao espírito do que o Marcelo tocava e com uma técnica muito elaborada, sofisticada. E foi legal você ter falado isso porque eu acho que esse disco tá especialmente interessante do ponto de vista das guitarras. Eu e Beto fizemos tudo junto.. violões, guitarras, o Beto toca muita coisa de slide guitar, steel guitar. Ele é um guitarrista muito sensível, me dou muito bem com ele e o trabalho de guitarras desse disco tá fantástico. Na minha opinião é o melhor trabalho de guitarras de toda a discografia dos Titãs. Muito bem elaborado e às vezes eu fico ouvindo e já não sei o que ele tá tocando e o que eu tô tocando. Isso é muito interessante. Tem uma música, a ‘São Paulo 3’, logo ali no começo do disco, tem um momento em que as guitarras começam a solar meio que ao mesmo tempo, solos diferentes que vão caminhando paralelos e toda hora que eu escuto, tem algumas guitarras que eu penso: ‘sou eu ou o Beto que tá tocando?’, então mostra como a gente tá integrado e o trabalho ficou coeso e harmônico.
Tem a letra da Rita Lee, Roberto e do Beto… vocês são amigos de longa data. Como que foi esse presente?
Não é uma coisa comum. A Rita e o Roberto estão praticamente aposentados. Eles não querem saber de fazer show, gravar disco. Estão lá tranquilos curtindo o merecido descanso e há muito tempo atrás a gente tinha pedido pra Rita fazer alguma coisa, mas ficou naquilo: ‘se tiver, manda uma música pra gente’, mas isso foi há muito tempo atrás e a gente nem tava pensando mais nisso e pouco antes de iniciar as gravações, um dia ela entrou em contato e falou: ‘eu acordei aqui, com uma ideia’ – a Rita Lee tem isso que todas as músicas dela começam com uma anotação que ela faz num caderninho precioso – e ela falou ‘acordei com uma ideia, uma música pra vocês, a cara de vocês’, a gente ficou muito animado e passou um tempo ela, Roberto e Beto terminaram a canção e foi um presente mesmo, você usou o termo certo. É por essas e outras que esse disco tem o caráter de comemoração. Ficou um disco muito titânico, que a gente gravou com muito prazer, que colocamos todas as nossas vertentes.
O disco segue outra parceria de vocês, com o Rick Bonadio…
A gente gostou muito quando trabalhou com ele no ‘Sacos Plásticos’. mas aquele foi um disco que não ficou tão bem resolvido porque tivemos alguns problemas na época. O Charles Gavin tava praticamente saindo da banda, não foi uma gravação muito tranquila. Essa de agora, do ‘Olho Furta-Cor’ foi muito legal, acho que a gente conseguiu fazer um disco á altura da qualidade da parceria nossa com o Rick e do talento dele como produtor. Ele é um cara que consegue fazer o rock ficar vivo na indústria, que é um mérito dele. O estúdio Midas é muito bem equipado, funciona muito bem, um celeiro de talentos. Ele e o Serginho Fouad, o outro produtor, o trabalho fluiu muito legal.
E vamos encerrar falando da turnê, que estreia em São Paulo semana que vem! O que os fãs vão poder ver do trabalho novo no palco?
O problema é que quando se é uma banda grande e história grande como a nossa, não dá pra fazer os shows sem tocar os clássicos, senão vai frustrar o público, então tem que achar uma medida, tocar algumas músicas do disco novo. O ‘Olho Furta-Cor’ tem 14 músicas, então se fosse tocar todas, seria um show praticamente inteiro e os fãs com certeza ficariam frustrados por não ouvir alguns dos nossos hits. Então vamos equilibrar um pouco, a gente deve tocar ‘Apocalipse Só’, ‘Caos’, ‘Raul’, na parte acústica do show ‘Um Mundo’, ‘Papai e Mamãe’, a gente deve tocar umas cinco, seis músicas do disco novo pra começar.