A Mercado Livre Arena Pacaembu recebeu no sábado (28) um show que tem muito mais a dizer do que apenas o volume ensurdecedor de graves ou a coreografia de luzes que corta o céu. Alok trouxe a São Paulo a “Aurea Tour”, espetáculo visual e conceitual que é, ao mesmo tempo, um avanço técnico impressionante e um sintoma do nosso tempo.
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No palco, a grandiosidade é indiscutível. Uma cabine envolvida por duas mãos prateadas gigantes se ergue no centro, enquanto o DJ comanda projeções futuristas em um telão formado por 4 mil placas de LED. Há fogos, lasers que riscam o espaço como se desenhassem mapas invisíveis e uma esquadrilha de drones que forma imagens geométricas sobre o público. O Urban Theory, grupo de dança com cerca de 50 performers, completa o quadro ao criar movimentos precisos, quase mecânicos, que lembram traços do vogue e geram uma sensação de coreografia viva para o que está sendo tocado.
Apesar de toda essa engrenagem tecnológica funcionar com perfeição quase cirúrgica, é difícil ignorar que o espetáculo se mantém preso a uma estrutura previsível. A primeira metade é montada como um show de arena: Alok aparece no alto, faz transições entre hits, projeta narrativas visuais e convida músicos. A segunda parte desloca o DJ para o meio do público, onde ele assume um set mais livre. Funciona, mas não exatamente inova. Há o impacto do gigantismo, mas não necessariamente um rompimento com o formato que o próprio Alok consolidou em shows anteriores.
Ainda assim, é inegável o magnetismo do evento. O público reage com uma entrega quase automática. Grita, pula, ergue os braços sempre que uma nova camada de som ou luz se sobrepõe. Há, inclusive, momentos curiosos em que a trilha se abre para pequenos recortes de Tame Impala, Beastie Boys, Prodigy, Robin S, Darude. É quase como se Alok reforçasse que, mesmo dentro da estética colossal, ainda cabe o jogo lúdico do DJ de club.
A proposta estética vem embalada por um discurso. O “Keep Art Human” é apresentado por Alok como um manifesto contra a excessiva presença da inteligência artificial nos processos criativos. Durante a entrevista coletiva antes do show, ele foi claro ao apontar seus receios. “A arte sempre foi uma forma da gente se expressar e muitas vezes a inteligência artificial vem pra trazer conforto pra gente, mas a arte não é só pra confortar, a arte também é pra fazer a gente refletir, sair do lugar e muitas vezes mover a cultura pra frente. Se a gente perde o controle dessa storytelling pra inteligência artificial, a gente tá transferindo tudo isso pra ela. Pra fazer arte a gente tem algo que a inteligência artificial ainda não tem, que é a alma.”
Ele se mostrou particularmente interessado em retomar o diálogo entre tecnologia e natureza, citando o projeto “Futuro Ancestral” como exemplo. “Eu já tinha entendido que não existe nada mais tecnológico que a própria natureza. A gente imagina sempre um futuro distópico, cheio de neons e carros voadores, mas o futuro pode estar no indígena tirando um celular sofisticado de dentro de uma canoa no meio do Amazonas. Por que não? A gente não é capaz de recriar a natureza, e precisa dela pro futuro, ponto.“
Na prática, esse discurso nem sempre é sentido com força no palco. A estrutura do show prioriza o impacto visual e sonoro, mas entrega pouco da inquietação que Alok tenta verbalizar. A grandiosidade, por vezes, dilui o que poderia ser uma provocação mais direta sobre o papel humano na arte.
Ainda assim, há méritos claros. Ao levar Gilberto Gil para esse ambiente eletrônico, Alok cria um diálogo entre gerações e linguagens que soa legítimo. “Ele me deu total liberdade criativa. Diferente do Mick Jagger, que pediu dez revisões até ficar satisfeito. O Gil não. Ele me deixou conduzir, e isso fez o trabalho ser fácil”. Essa autonomia permitiu que o DJ remixasse clássicos como “Toda Menina Baiana”, “Maracatu Atômico” e “Tempo Rei” com a segurança de quem sabe estar trabalhando com um acervo cultural importante, mas disposto a dar novas leituras.
No fim, o que se viu foi um show gigantesco, tecnicamente impecável, carregado de efeitos e de uma entrega de palco quase industrial. Ainda assim, fica a sensação de que o próprio Alok está tateando como dar corpo e profundidade ao seu manifesto. O espetáculo fala alto, mas talvez ainda precise encontrar o ponto exato em que luzes, beats e projeções realmente se tornem questionamentos sobre o que significa manter a arte humana em meio a algoritmos.
E esse talvez seja o maior mérito e o maior desafio do projeto. Por ora, o público parece satisfeito em viver o êxtase. Mas a pergunta que Alok planta, mesmo que discretamente, continua ecoando depois do último disparo de laser: até onde vamos deixar a máquina contar as nossas histórias?
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