A sétima temporada de “Black Mirror” reafirma a relevância da série como um dos projetos televisivos mais incisivos na análise das implicações éticas, sociais e psicológicas da tecnologia. Criada por Charlie Brooker, a antologia segue explorando temas sombrios com sua já consagrada abordagem de realismo distorcido, alimentando a inquietação do espectador com hipóteses narrativas que caminham entre o plausível e o perturbador.
Com seis novos episódios, a temporada apresenta um conjunto mais heterogêneo em tom e proposta do que em ciclos anteriores, apostando em experimentações de gênero e variações rítmicas que ora surpreendem, ora diluem a tensão característica da série. Ainda assim, a identidade conceitual permanece clara: investigar o que há de desumanizador em sistemas que prometem expandir a experiência humana.
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“Common People”
A temporada abre com um episódio que flerta com o horror corporativo e a distopia doméstica. A narrativa se ancora na introdução do Rivermind, um sistema que simula a consciência como solução médica, e usa o sofrimento de um casal como vetor emocional. A construção dramática é eficiente, e a premissa rapidamente apresenta suas implicações éticas, mas o tom oscilante compromete o impacto. Elementos cômicos destoam da atmosfera sombria, minando a coerência tonal.
Mesmo assim, é um episódio com estrutura sólida, que levanta reflexões sobre a comercialização da vida, o peso do consentimento e os limites do amor quando mediados por algoritmos. Falta refinamento na progressão dramática, mas o argumento central é potente o suficiente para manter o episódio funcional.
“Bête Noire”
Este é o episódio menos equilibrado da temporada. A ambientação corporativa e o mistério envolvendo uma figura do passado prometem um thriller psicológico com nuances tecnológicas, mas o ritmo arrastado e a construção superficial da tensão comprometem o resultado. O roteiro hesita entre sátira e suspense, sem atingir plenamente nenhum dos dois.
O episódio resgata um humor quase absurdo no desfecho, o que pode agradar espectadores mais abertos à ambiguidade tonal, mas a inconsistência estrutural fragiliza o impacto geral. Apesar de sua ineficiência narrativa, há uma crítica velada interessante à performatividade profissional e à toxicidade das dinâmicas hierárquicas modernas.
“Hotel Reverie”
Visualmente impecável e narrativamente coeso, “Hotel Reverie” é o grande destaque da temporada. A premissa metalinguística, uma atriz imersa num remake tecnicamente invasivo se desdobra em uma jornada emocional que transcende o pastiche distópico. A direção aposta na intimidade de duas personagens femininas que atravessam barreiras temporais e simbólicas, em uma trama que equilibra com rara elegância afeto, tecnologia e identidade.
As atuações de Emma Corrin e Issa Rae sustentam a complexidade emocional do episódio, que dialoga diretamente com clássicos como “San Junipero” e expande suas ideias. A crítica à artificialidade das narrativas vendidas como romance e à reconstrução de memórias como mercadoria está entre as mais sutis e eficazes da série.
“Plaything”
Com uma estética propositalmente datada e desconfortável, este episódio investiga a obsessão por videogames como ferramenta de alienação social e despersonalização. A estrutura episódica simula a lógica de progressão dos jogos antigos, utilizando-a como base para uma narrativa policial desconstruída. A comparação com “Bandersnatch” é inevitável, mas aqui a interatividade é temática, não mecânica.
A direção opta por não sobrecarregar o espectador com moralizações explícitas. O arco do protagonista revela de forma orgânica o poder da nostalgia como cápsula de fuga e como o escapismo pode anestesiar traumas mal resolvidos. A ambientação claustrofóbica reforça o senso de aprisionamento mental, tornando-o um episódio tecnicamente eficaz, embora menos emocionalmente envolvente que outros da temporada.
“Eulogy”
Com Paul Giamatti em performance refinada, este episódio investiga a relação entre luto, memória e tecnologia, usando como ponto de partida uma ferramenta capaz de transportar usuários para dentro de fotografias antigas. É um episódio emocionalmente delicado e formalmente contido, que lembra o minimalismo de “The Entire History of You”.
A escrita evita sentimentalismos fáceis e constrói um protagonista que carrega culpa e ternura em proporções iguais. O uso da fotografia como metáfora do congelamento emocional é desenvolvido com cuidado e maturidade. Uma meditação sobre impermanência, reconstrução e o que resta da identidade quando as memórias são curadas artificialmente. Tecnicamente, é o episódio mais preciso da temporada.
“USS Callister: Into Infinity”
A continuação do aclamado “USS Callister” é ambiciosa, mas tropeça ao tentar expandir o universo original sem uma nova tese narrativa clara. A sátira de cultura gamer se repete, agora com foco na corporificação da IA e na apropriação de mundos digitais. Apesar de visualmente impressionante, o episódio é inchado e carece da tensão moral do primeiro.
A inversão do protagonismo (agora liderado por Nanette Cole) traz certo frescor, mas o roteiro hesita em decidir se quer explorar uma metáfora sobre poder e resistência ou apenas construir um episódio de ação espacial. No final, é funcional como fan service, mas frágil como reflexão filosófica. O jogo, aqui, virou apenas um pano de fundo genérico.
Veredito Final
A sétima temporada de “Black Mirror” oscila entre episódios brilhantes e outros excessivamente formulaicos, mas reafirma a proposta da série de tensionar o otimismo tecnológico com questionamentos profundos sobre identidade, memória, consumo e relações humanas. “Hotel Reverie” e “Eulogy” elevam o padrão narrativo e justificam a longevidade da série, enquanto “Bête Noire” e “USS Callister: Into Infinity” evidenciam os riscos de prolongamento criativo sem reestruturação conceitual.
Mesmo irregular, “Black Mirror” continua sendo um espelho distorcido, mas necessário, da modernidade digital, refletindo medos que poucos têm coragem de articular com tanto cinismo e sensibilidade ao mesmo tempo.
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