Doechii constrói em “Alligator Bites Never Heal” uma obra que, mesmo carregando a espontaneidade de uma mixtape, se impõe como um marco importante em sua trajetória. A rapper já vinha demonstrando uma versatilidade impressionante desde seus primeiros lançamentos, mas aqui ela amplia ainda mais seu escopo, transitando entre o rap técnico, melodias introspectivas e produções que exploram diversas texturas sonoras. O álbum não busca testar os próprios limites da sonoridade que ela tem cultivado. A coesão nem sempre é o ponto forte do projeto, mas sua execução revela uma artista plenamente consciente de seus talentos.
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A produção, assinada por nomes como Camper, Childish Major, Kal Banx e Monte Booker, oferece uma base sólida para Doechii explorar diferentes cadências e abordagens. O destaque rítmico é evidente, com batidas que remetem ao boom-bap clássico, mas sem perder um senso atemporal de dinamismo. “Boom Bap” e “Denial Is a River” são exemplos claros desse equilíbrio, com instrumentais que enfatizam percussões marcantes enquanto Doechii entrega versos que misturam ironia e agressividade com precisão cirúrgica. Em “Nissan Altima”, seu flow é meticulosamente encaixado nas variações rítmicas da faixa, criando um efeito hipnótico que prende o ouvinte do início ao fim.
Apesar da força dessas faixas, o álbum sofre com uma inconsistência estrutural que compromete sua fluidez. Muitas das músicas apresentam ideias promissoras, mas são interrompidas antes de alcançarem um desenvolvimento pleno. Faixas como “Catfish” e “Stanka Pooh” se destacam pelo frescor rítmico e pela presença marcante da rapper, mas terminam abruptamente, dando a impressão de que ainda havia espaço para explorar mais camadas melódicas e narrativas. Esse problema se estende a outras composições que, embora carreguem momentos impactantes, não chegam a estabelecer um arco completo dentro do álbum.
O contraste entre as músicas mais explosivas e os momentos mais introspectivos também apresenta desafios. Enquanto faixas como “Beverly Hills”, “Slide” e “Wait” demonstram a capacidade vocal de Doechii ao explorar tons mais suaves, elas nem sempre se integram organicamente ao restante do material. Há uma tentativa clara de ampliar seu alcance artístico, mas a transição entre esses momentos poderia ser mais refinada para evitar que algumas faixas soem deslocadas dentro do contexto da mixtape. Esse aspecto ressalta a impressão de que o projeto, apesar de bem executado, carece de uma direção mais coesa.
A narrativa do álbum reflete o momento atual da carreira de Doechii, capturando as tensões entre o sucesso e as expectativas que o acompanham. Ela aborda questões como a solidão que vem com a ascensão à fama, a dificuldade em manter conexões genuínas e os desafios de se afirmar dentro da indústria da música. Essas temáticas se entrelaçam de maneira orgânica nas composições, criando um pano de fundo emocional que dá mais profundidade ao projeto. “Denial Is a River” sintetiza bem essa abordagem, combinando um instrumental minimalista com versos que exploram vulnerabilidades sem perder a firmeza característica da rapper. É nesse equilíbrio entre introspecção e força que Doechii encontra seus momentos mais impactantes.
Mesmo com seus problemas estruturais, “Alligator Bites Never Heal” se estabelece como um registro importante dentro da discografia da artista. O álbum evidencia seu potencial para evoluir ainda mais. Se algumas faixas deixam a desejar por sua curta duração ou pela falta de uma integração mais fluida entre os diferentes estilos, isso não diminui a força do material. O que Doechii entrega aqui é uma amostra vibrante de sua capacidade artística, e se este trabalho não alcança todo o seu potencial, ele ao menos deixa claro que há muito mais por vir.
Nota final: 79/100
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