“Mahashmashana”, sexto trabalho de estúdio de Josh Tillman como Father John Misty, é uma ousada exploração sonora onde a identidade se dissolve e os limites do pop barroco são tensionados até o limite. Sob a produção de Tillman e Drew Erickson, com o apoio do onipresente Jonathan Wilson, o álbum traduz em música o conceito de renovação, finitude e grandiosidade encapsulado no título em sânscrito, “grande campo de cremação”.
A primeira coisa que se destaca é a densidade sônica do álbum. Se “Pure Comedy” foi uma obra de orquestração majestosa e verborragia afiada, “Mahashmashana” eleva esses elementos com uma produção quase cinematográfica. As paredes de som aqui não sufocam, mas dão profundidade e textura às composições. É um álbum que requer audição atenta para captar os nuances e é exatamente nisso que ele brilha. O single “Screamland”, com sua produção chamativa e arranjo melancólico, é um exemplo perfeito. Alan Sparhawk traz um toque de peso com a guitarra, enquanto a mixagem coloca cada elemento em foco e faz você se perguntar: isso é intencionalmente grandioso ou um comentário satírico sobre a pompa no pop? Talvez ambos.
A escolha da palavra “Mahāśmaśāna“, inspirada em “Memorial” de Bruce Wagner, reflete bem a essência do disco. Tillman se volta para temas existenciais identidade, ego e mortalidade mas evita o clichê ao incorporar o humor que marca sua escrita. As letras oscilam entre introspecção filosófica e comentários sociais mordazes, equilibrando o peso do conteúdo com uma leveza irônica. Isso é Father John Misty em sua melhor forma: provocador e vulnerável, tudo ao mesmo tempo.
A composição das faixas revela um músico que entende não apenas de criar melodias memoráveis, mas também de brincar com a expectativa do ouvinte. Em “I Guess Time Just Makes Fools of Us All”, a progressão inicial quase simplista se transforma em uma tapeçaria sonora complexa, ampliada por linhas confessionais que fazem referência ao desdém do próprio Tillman pela fama e pela superficialidade da indústria musical.
Ainda que Tillman se aventure por novas paisagens sonoras – experimentando com funk e pop alternativo –, o núcleo do álbum permanece ancorado no que ele faz de melhor: a fusão do pop barroco com narrativas profundas. “She Cleans Up” é um exemplo brilhante disso, equilibrando melodia acessível com lirismo comovente. Há quem possa comparar faixas como esta com trabalhos anteriores (“Date Night” vem à mente), mas “Mahashmashana” traz uma maturidade complexa.
Quanto ao polêmico “Screamland”, é difícil ignorar os paralelos com a estética pop de Jack Antonoff ou até Taylor Swift. A construção da música com versos introspectivos e um refrão bombástico pode até provocar comparações com Imagine Dragons, mas isso seria uma análise simplista. A faixa não busca validação na previsibilidade; ela subverte, confronta e desafia, especialmente pela produção rica e pela abordagem lírica que celebra a ingenuidade como força motriz.
Embora o álbum tenha momentos menos marcantes “Summer’s Gone”, por exemplo, soa mais como um epílogo do que um encerramento ousado, até mesmo esses momentos “menores” adicionam algo à coesão geral do trabalho. É o tipo de álbum que recompensa quem escuta mais de uma vez, revelando detalhes que passam despercebidos em uma audição casual. Este é, sem dúvida, um dos álbuns mais emocionantes e sofisticados de Father John Misty até agora.
Para os fãs que desejavam um retorno ao indie folk cru, “Mahashmashana” talvez decepcione. Mas aqueles que buscam um trabalho que expanda os horizontes do artista sem perder sua essência encontrarão aqui um material rico, desafiador e, acima de tudo, recompensador. Entre o pop barroco e a contemplação filosófica, Father John Misty reafirma que continua sendo uma das vozes mais intrigantes e complexas da música.
Nota final: 90/100