Entre o nonsense afiado e a dor real do crescimento, “Muito Esforçado” encontra um ponto de equilíbrio raro. Criada por Joel Kim Booster e estrelada por Peter Smith, a série entrega mais do que o esperado de uma comédia universitária com estética de TikTok e alma de Tumblr. É simultaneamente frenética e sentimental, anárquica e precisa, divertida e devastadora. Uma história que, como o título sugere, lida com a performance compulsiva de quem tenta demais, ama demais, mente demais e, no fundo, só quer ser visto com um pouco de honestidade.
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No centro da série está Benny, um ex-jogador de futebol americano que tenta navegar entre masculinidades tóxicas, traumas não processados e desejos inconfessáveis. O personagem, interpretado com crueza e charme por Smith, é um estudo sobre a masculinidade queer forçada a sobreviver dentro de moldes pré-montados. Benny é atlético, popular e enrustido. A série não o trata como mártir, mas também não o sacrifica à caricatura. Sua trajetória é marcada por erros autênticos e silêncios barulhíssimos, tornando-o um protagonista desconfortável e absolutamente necessário.
A narrativa se constrói com agilidade e sagacidade, orbitando Benny e sua amizade turbulenta com Carmen, uma adolescente igualmente disfuncional, que busca na performance e nos disfarces sociais um antídoto para o próprio abandono emocional. Interpretada com energia incontrolável por uma atriz que domina tanto o humor físico quanto a sutileza dramática, Carmen é o espelho distorcido e ampliado de Benny. Juntos, os dois se perdem e se reencontram em meio a vodca aromatizada, identidades falsas, flertes desastrosos e uma série de decisões impulsivas que oscilam entre o cômico e o trágico.
“Muito Esforçado” é quase ensaístico em sua abordagem sobre juventude queer e culpa. O roteiro esbanja referências à cultura pop dos anos 2000 e 2010 com inteligência e afeto. Lorde, Lady Gaga, Charli XCX, Britney, My Chemical Romance. As canções não são apenas ambientação ou aceno nostálgico, mas trilha emocional de uma geração acostumada a sentir demais com filtros de menos. O uso de “Welcome to the Black Parade” no clímax romântico é tão exagerado quanto funcional, como se dissesse com todas as letras: o drama faz parte da formação.
Apesar do tom satírico e de uma estética visual quase caótica, a série se organiza por meio de estruturas emocionais bem fundamentadas. Os episódios seguem um arco onde o humor absurdo frequentemente dá lugar a momentos de vulnerabilidade crua. Quando Benny se pergunta em lágrimas se alguém ainda vai amá-lo, a série suspende a comédia para revelar sua espinha dorsal: a busca por conexão em um mundo onde todo mundo está constantemente performando. E é justamente nesse ponto que “Muito Esforçado” se diferencia de outras séries com ambientação universitária. Aqui, a piada nunca vem sem a ferida.
Alguns arcos, no entanto, pedem maior elaboração. O desfecho de Carmen, especialmente seu erro ao expor Benny e beijar sua antiga paixão, carece de uma resolução emocional mais profunda. A relação com o irmão, marcada por cenas fragmentadas e um acidente de carro nunca realmente processado, fica em um limbo narrativo. Ainda assim, a personagem carrega força dramática suficiente para suportar esses desvios. Hailee, a amiga cheia de energia, funciona como elemento cômico eficaz e contraponto emocional mais estável. George, colega abertamente gay de Benny, é outro destaque que merecia mais tempo de tela. Sua função catalisadora no arco de autodescoberta de Benny é essencial.
O tom autorreferente e a teatralidade exagerada fazem da série uma espécie de Glee remixado com a linguagem emocional de “Sex Education” e o humor ácido de “Broad City”. O uso do cringe como ferramenta estética, em vez de acidental, transforma episódios em verdadeiras coreografias do desconforto. O chicote do primeiro episódio, a cena da bolsa de academia recheada de coqueteleiras e proteína em pó, a identidade falsa trocada como se fosse herança. Esses são momentos que transformam o absurdo em linguagem.
“Muito Esforçado” também é um ensaio sobre autoimagem e a lógica da compensação. Benny se dobra, se recalibra e se camufla constantemente, tentando performar uma versão aceitável de si mesmo. É um comportamento aprendido e muitas vezes internalizado por jovens queer que cresceram sob o olhar vigilante da heteronormatividade. Ao mesmo tempo, Carmen também tenta se encaixar num ideal de feminilidade rebelde e hiperativa, que nem sempre dá conta de sua fragilidade.
A série entende que a juventude, em especial a juventude queer, é formada por camadas de estratégias de sobrevivência. A mentira, o exagero, a fuga, a sabotagem. Tudo isso não são falhas morais, mas respostas emocionais ao medo da rejeição. “Muito Esforçado” abraça essa complexidade sem pedir desculpas, o que torna seu humor ainda mais afiado e sua mensagem mais sincera.
Com um elenco carismático, uma trilha sonora milimetricamente pensada e um roteiro que alterna caos e catarse, a série entrega uma primeira temporada que já nasce cult. Se o universo permitir uma segunda, a promessa é de aprofundamento e acerto. Por enquanto, o que se tem é uma obra que entende profundamente seu público e o retrata com honestidade, ironia e uma dose generosa de afeto.
“Muito Esforçado” é mais que uma comédia universitária. É uma carta de amor ao caos que é crescer tentando compensar quem se é por medo de não ser suficiente. E, em tempos de discursos prontos e personagens pasteurizados, talvez não haja nada mais necessário.
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