“O Retrato de Norah” nasce com o peso de duas estreias: é o primeiro longa de Tawfik Alzaidi e também o primeiro filme da Arábia Saudita a integrar a mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes. E como toda obra que carrega uma primeira vez, há uma mistura inevitável de expectativa, reverência e um desejo de reconhecimento que atravessa o filme de ponta a ponta. Mas quando a cortina estética se abre e a narrativa começa a se desenrolar, o que se encontra é uma estrutura dramática já bastante conhecida, envolta em uma linguagem que ainda busca seu próprio fôlego.
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A trama, ambientada nos anos 90 em uma aldeia remota da Arábia Saudita, tem como eixo a chegada de um novo professor, que também é um artista silenciado pelo regime conservador. Ao encontrar Norah, uma jovem local inquieta e silenciosamente rebelde, surge a fagulha da transformação. O que poderia ser uma potente alegoria sobre emancipação individual diante da repressão, acaba se moldando como um exercício estético correto, mas dramaticamente diluído.
O filme quer falar sobre o poder da arte e da educação em ambientes controlados pela tradição, mas o discurso se acomoda em uma zona de conforto, sem mergulhos profundos nem arestas afiadas. A repressão cultural é mostrada com didatismo, os personagens operam como símbolos previsíveis de mudança e resistência, e mesmo a fotografia, que tenta explorar o vazio físico do deserto como metáfora da aridez intelectual da aldeia, repete composições e texturas que já vimos em dezenas de produções árabes e europeias sobre o tema.
Norah, enquanto personagem, começa com certa densidade, mas termina como figura-esboço. A tentativa de preencher sua trajetória com revelações sobre o passado só evidencia o quanto a personagem foi construída mais como ideia do que como ser humano. Há uma fragilidade estrutural que o filme não consegue resolver: ele quer ser político e poético ao mesmo tempo, mas não radicaliza em nenhuma das direções.
Existe uma dignidade na produção, claro. Há coragem em lançar esse tipo de filme em um país que ainda tenta definir o que pode ou não ser contado. E há beleza em ver uma obra que fala, mesmo que de forma tímida, sobre desejo de expressão, sobre o direito à arte, sobre a necessidade de pertencer a algo além da tradição. Mas a coragem do tema não encontra respaldo na força da forma. O resultado é um filme que parece sempre se conter, como se pedisse desculpas ao mesmo tempo em que tenta transgredir.
“O Retrato de Norah” é importante pelo que representa, mas frágil pelo que entrega. Sua relevância está fora da tela, no gesto de existir, de circular, de tocar territórios onde a liberdade de criação ainda é regulada. Dentro da tela, é um drama de intenções bem-intencionadas, mas de execução morna. Há ecos de um cinema que pode amadurecer, mas ainda está encontrando sua própria gramática.
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