Com “Rua do Medo: 1666”, a trilogia baseada nas obras de R.L. Stine chega à sua conclusão em um movimento ousado, que expande o escopo narrativo ao mesmo tempo que fecha os ciclos emocionais e temáticos iniciados nos capítulos anteriores. A escolha de ambientar parte da história no século XVII funciona como ponto de virada conceitual, reposicionando a maldição de Shadyside como uma consequência direta da violência social, religiosa e política, muito além do terror sobrenatural.
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A história retorna à origem da lenda de Sarah Fier, levando a protagonista Deena (Kiana Madeira) a vivenciar as memórias da bruxa por meio de uma ligação psíquica com os eventos do passado. A vila de Union, precursora das cidades rivais Sunnyvale e Shadyside, vive um período de paranoia religiosa, marcado por crises sociais que desencadeiam uma caçada por culpados. A narrativa apresenta colheitas arruinadas, animais enlouquecidos, surtos inexplicáveis e, como resultado, o pânico moral que encontra seu bode expiatório em jovens marginalizados, especialmente aqueles que desafiam normas de gênero e sexualidade.
A decisão de usar o elenco dos filmes anteriores em novos papéis reforça a dimensão cíclica da história, ao mesmo tempo que fortalece os vínculos entre gerações de personagens. Kiana Madeira se destaca em um papel duplo, encarnando tanto Deena quanto Sarah Fier, e transmite com convicção o peso do sacrifício e da injustiça que fundam a maldição. Ashley Zukerman também tem um papel ampliado como ancestral da família Goode, revelando uma reviravolta que reconfigura a dinâmica de poder entre as cidades. A performance de McCabe Slye como o fanático religioso que instiga o pânico coletivo adiciona uma camada perturbadora ao retrato do vilarejo.
A crítica social é mais explícita e incisiva do que nos filmes anteriores. A trilogia, que já vinha sugerindo que a prosperidade de Sunnyvale era construída sobre o sofrimento de Shadyside, transforma essa relação em uma alegoria sobre privilégio, exploração e apagamento histórico. A maldição que parecia aleatória se revela como um pacto diabólico mantido ao longo dos séculos por uma linhagem de poderosos dispostos a sacrificar inocentes em troca de status e segurança. Esse deslocamento narrativo reforça a série como algo além do entretenimento derivativo: há aqui uma leitura sociopolítica que oferece substância ao horror.
Visualmente, “1666” abandona o brilho dos filmes anteriores e investe em uma paleta mais opaca e naturalista, evocando o desconforto e a opressão de um mundo sem liberdade ou racionalidade. A atmosfera da vila colonial é carregada de tensão silenciosa, construída com cenografia austera e fotografia desaturada, o que confere autenticidade ao período retratado.
Apesar desses méritos, a transição entre os dois blocos narrativos (século XVII e 1994) revela certa assimetria tonal. A volta ao presente, embora necessária para o encerramento da trilogia, adota um ritmo e um estilo que contrastam com o peso dramático do segmento inicial. Cenas de ação mais leves, com direito a explosivos caseiros e perseguições no shopping, soam deslocadas após o arco mais sombrio que precede o desfecho. Ainda assim, o retorno aos elementos slasher da década de 1990 permite que o filme resgate os vilões icônicos dos capítulos anteriores e amarre pontas soltas de forma satisfatória.
Como trilogia, “Rua do Medo” se firma como uma rara adaptação de terror juvenil que consegue amadurecer ao longo de seus capítulos. O projeto começa como homenagem estilizada aos subgêneros de terror, mas termina oferecendo uma mitologia própria, politicamente consciente e com personagens mais complexos do que o habitual no formato. É um exemplo eficaz de como o terror pode ser ferramenta para revisitar narrativas históricas, desafiar convenções sociais e provocar reflexão sem perder seu apelo popular.
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