Com direção surrealista e uma narrativa fragmentada por imagens angustiantes, Doechii encarna o colapso psicológico em “Anxiety”, single que marcou sua estreia no top 10 da Billboard Hot 100 e viralizou em plataformas como o TikTok. A artista, que começou a compor a faixa em 2019 em seu quarto, retoma esse ponto de partida no próprio videoclipe: uma jovem solitária, cercada por pensamentos que ganham forma, som e textura visual. O ambiente doméstico é invadido por distorções da realidade que ilustram o desconforto constante de viver com transtornos de ansiedade.
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A construção visual da obra recorre a um repertório simbólico amplo. A estética do horror psicológico se impõe com referências diretas ao filme “O Iluminado”, em especial na aparição das irmãs gêmeas, aqui interpretadas pelas irmãs mais novas da própria Doechii, e na sensação de aprisionamento em espaços familiares que se tornam ameaçadores. O uso de elementos como móveis que se movem sozinhos, um lustre que despenca do teto e uma multidão de estranhos invadindo a casa compõe um pesadelo recorrente de quem convive com a sensação de ameaça iminente.
Em outra camada simbólica, o clipe presta homenagem ao icônico vídeo de “Somebody That I Used to Know”, de Gotye e Kimbra. A referência vai além da reprodução da cena em que corpos pintados em padrões geométricos se camuflam na parede: a própria base instrumental de “Anxiety” vem do mesmo lugar. Trata-se de um sample de “Seville”, composição do violonista brasileiro Luiz Bonfá para o filme “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, de 1967. A sonoridade delicada e melancólica do violão de Bonfá é transformada aqui em pulsação dramática, reforçando o caráter ciclotímico da faixa.
É importante lembrar que no caso de Gotye, a família de Bonfá precisou recorrer à Justiça para garantir os créditos autorais. Já Doechii reconhece formalmente a coautoria do músico desde o lançamento, gesto que revela uma atenção ética com a origem da obra e também ressalta a força da música brasileira como matriz de influências para a produção pop internacional.
A performance da artista no vídeo é um dos pontos mais intensos. Aos 26 anos, ela coreografa a instabilidade emocional com movimentos desordenados, olhares perdidos e interações desconcertantes com as figuras ao redor. A letra da música reforça a tensão interna: “Ansiedade fica tentando / Eu sinto ela quietamente, tentando me silenciar”. A repetição, o sussurro e a quebra melódica transformam a canção em um registro íntimo de angústia e resistência.
Há, ainda, um momento de apoteose simbólica no jardim da casa, onde a rapper dança de lingerie entre dezenas de pessoas desconhecidas e um elefante. A cena, que remete ao espírito libertário de musicais como “Hair”, funciona como uma catarse. Não uma resolução do conflito, mas uma espécie de comunhão entre o delírio, o corpo e a tentativa de se reconectar com o mundo ao redor.
O videoclipe, dirigido por James Mackel, começa e termina com a mesma imagem: Doechii em seu quarto, criando. Na cena final, ela se observa pela janela, como quem testemunha a si mesma pela primeira vez. Essa moldura cíclica traduz com precisão a natureza da ansiedade uma repetição silenciosa e, por vezes, paralisante, que desafia o tempo linear e contamina até os momentos de calma.
“Anxiety” se tornou um fenômeno cultural impulsionado pelas redes, mas sua força não reside na viralização. A potência está na forma como traduz sofrimento psíquico em linguagem audiovisual, conectando-se com um público que reconhece nas imagens, na sonoridade e nas palavras um espelho emocional. A escolha de Bonfá como base sonora amplifica esse efeito, costurando o passado com o presente e revelando como a música pode ser um veículo poderoso para descrever estados invisíveis como a ansiedade com profundidade e autenticidade.
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