A categoria é dançar ou morrer. Lady Gaga retorna ao mundo pop com um dos videoclipes mais disruptivos de sua carreira. O terceiro single do aguardado disco “Mayhem” vem ganhando notoriedade e chamando a atenção tanto da indústria quanto dos fãs. Quebrando a narrativa alimentada nos corredores da internet de que a cantora não tinha mais um hit solo de impacto, Gaga reafirma sua presença e estabelece “Abracadabra” como um dos maiores triunfos comerciais do álbum. O desempenho da faixa sugere que ela pode rivalizar diretamente, nas próximas semanas, com o sucesso estrondoso de sua colaboração com Bruno Mars em “Die With a Smile”.
Tudo que já sabemos sobre o novo álbum da Lady Gaga

Mas como chegamos até aqui? O clipe é realmente tão singular?
Lady Gaga sempre se destacou por sua abordagem conceitual e provocativa. Sua obra desafia interpretações unidimensionais, pois a experiência que propõe ao público é aberta, subjetiva e imersiva.
O videoclipe de “Abracadabra” abraça uma estética brutal, reminiscente da atmosfera criada em sua última turnê (citar nome da turnê). A direção visual se distancia do convencional ao explorar um gótico pouco ortodoxo, que se desvia de clichês e se constrói com simbolismos sutis. A representação multifacetada da artista no vídeo traz uma dicotomia entre vulnerabilidade e força, materializada nas diferentes personas que Gaga assume.
Uma dessas manifestações é a figura vestida de branco, que, embora remeta a um arquétipo de pureza, se desconstrói através de cortes agressivos na indumentária. Não se trata de um conceito de imaculabilidade, mas sim de aceitar e enfrentar a própria essência. Um detalhe notável é o colar em formato de cruz, que é composto por cinco versões do rosto de Lady Gaga na cerimônia do Oscar de 2019, adicionando uma camada de metarreferência à narrativa visual.

Por outro lado, sua antagonista, “Lady Red”, personifica uma energia visceral e ameaçadora. O figurino de couro, os tons intensos de vermelho e o olhar feroz traduzem uma fúria interna latente, pronta para transformar um conflito psicológico em uma batalha de vida ou morte.
Mas onde essas duas forças se encontram? A dualidade representada no clipe transcende uma interpretação superficial de bem contra mal. Trata-se, na verdade, de uma reflexão sobre a luta interna da artista e as marcas deixadas por uma trajetória intensa dentro da indústria do entretenimento. O embate entre as duas facetas não sugere uma condenação de uma em favor da outra, mas sim a necessidade de coexistência entre os opostos. O clímax do videoclipe, pouco antes da ponte musical, sintetiza essa tensão: Gaga solta um grito que mistura fúria e desespero, enquanto suas diversas versões dançam freneticamente em um cenário caótico. Essa sequência traduz visualmente o turbilhão mental que acompanha a busca pelo equilíbrio interno.
Ao longo de sua carreira, Lady Gaga sempre utilizou sua arte como um veículo de expressão e libertacão. “Abracadabra” segue essa linhagem ao encapsular o embate entre forças antagônicas que coexistem dentro de cada indivíduo. Em um jogo de luz e sombra, Gaga nos convida a refletir sobre nossas próprias contradições e aceitar que o conflito é parte indissociável da jornada humana.

Origem da palavra “Abracadabra”
A palavra “Abracadabra” carrega um histórico enigmático, associado tanto à mágica quanto à proteção espiritual. Sua primeira menção documentada data do século II d.C., no “Liber Medicinalis” de Quinto Sereno Samônico, onde era usada como um amuleto para afastar doenças. O termo também pode ter origens no aramaico “avra gavra”, que significa “eu criarei como falo”, ou no hebraico “ebrah k’dabri”, interpretado como “eu crio enquanto falo”. Em ambas as possibilidades, a ideia central está ligada ao poder da palavra e à manifestação de intenções por meio da linguagem.
Com o passar do tempo, “abracadabra” transcendeu sua função original e se tornou um dos termos mais icônicos da magia performática, ganhando espaço no imaginário coletivo como sinônimo de encantamento e transformação.
No videoclipe “Abracadabra”, Lady Gaga se apropria do significado ancestral da palavra para explorar sua própria metamorfose artística e psicológica. A narrativa visual do clipe reflete a dualidade interna e os processos de reconstrução identitária que a artista propõe. Assim como “Abracadabra” era usada para exorcizar o mal e restaurar a harmonia, o clipe sugere um ritual de autoafirmação, onde Gaga enfrenta suas sombras para emergir transformada.
Dançar até morrer?
A ideia de “dançar até morrer” carrega um simbolismo ancestral que já se manifestou em diferentes contextos históricos e artísticos. Um dos relatos mais intrigantes dessa temática remonta à chamada “Praga da Dança” de 1518, um fenômeno ocorrido em Estrasburgo, onde dezenas de pessoas entraram em um estado de frenesi incontrolável, dançando sem parar por dias, até sucumbirem à exaustão ou à morte. Embora as causas sejam incertas, teorias sugerem que o episódio pode ter sido resultado de histeria coletiva ou até mesmo de um ritual religioso distorcido. Essa noção de dança como um transe extremo também ecoa em diversas tradições místicas, incluindo rituais pagãos onde o último a permanecer dançando era coroado como escolhido ou vencedor uma ideia que foi resgatada recentemente no filme “Midsommar”, de Ari Aster.
No videoclipe de “Abracadabra”, Lady Gaga parece canalizar essa tradição ao transformar a dança em um elemento de sobrevivência e autodescoberta. A luta interna entre suas personas se desenrola em um palco onde a coreografia é uma metáfora para resistência e enfrentamento de suas próprias sombras. O conceito reforça a ideia de que, na batalha entre forças opostas, ceder não é uma opção. Ao dançar até a exaustão, Gaga transforma sua performance em um ritual, em que o corpo se torna um veículo de catarse e transcendência, evocando tanto as tragédias ancestrais quanto o simbolismo da persistência dentro da indústria musical.
Arquitetura brutal e sua revolução estética
A arquitetura brutalista surgiu no período pós-Segunda Guerra Mundial como uma resposta à necessidade de construções funcionais, acessíveis e impactantes. Caracterizada pelo uso de concreto bruto, formas geométricas imponentes e uma estética crua, essa vertente arquitetônica rejeitava ornamentos e buscava a honestidade estrutural. O termo “brutalismo” deriva do francês béton brut (concreto cru), popularizado pelo arquiteto Le Corbusier, cujas obras enfatizavam a materialidade e a solidez como expressões de força e modernidade. Com o tempo, a estética brutalista transcendeu a arquitetura e se tornou um símbolo de resistência e provocação, influenciando a arte, a moda e a cultura pop.
Lady Gaga se apropriou dessa linguagem visual em sua “Chromatica Ball Tour”, onde o palco incorporava elementos brutalistas para criar um cenário austero e imponente. A estrutura massiva, repleta de ângulos agressivos e superfícies de concreto texturizado, evocava uma sensação de grandiosidade e opressão, refletindo a narrativa da artista sobre luta, superação e desconstrução da identidade. Esse diálogo com o brutalismo reforçava o conceito de Chromatica como um espaço de transformação, onde a rigidez das formas arquitetônicas contrastava com a fluidez da música e da performance. No videoclipe de “Abracadabra”, essa influência persiste na ambientação rígida e monocromática, que serve como metáfora para a dureza do universo da fama e da autopercepção.
O Apocalipse
A iconografia do Apocalipse sempre esteve entrelaçada à ideia de julgamento e destruição, e “Abracadabra” parece evocar esse imaginário tanto estética quanto simbolicamente. No Livro do Apocalipse, a mulher vestida de escarlate surge como um presságio da queda de impérios e da corrupção da humanidade, representando a dualidade entre sedução e condenação. Sua presença está ligada ao fim de ciclos e ao momento inevitável do juízo final. No videoclipe, Lady Gaga assume essa figura com um olhar penetrante e um figurino vermelho sangue, evocando a imagem bíblica de uma entidade que desafia e sentencia, ao mesmo tempo em que seduz e fascina. A frase “dance ou morra” se encaixa nesse contexto como um ultimato que sugere um destino já escrito, como as profecias apocalípticas.
Além da referência religiosa, o conceito de Apocalipse se manifesta no videoclipe de forma literal, traduzindo-se em um cenário onde o caos e o confronto entre opostos são inevitáveis. O embate interno que Gaga encena é uma representação do colapso de uma era uma destruição simbólica que precisa acontecer para que algo novo possa nascer. O vermelho intenso que domina a estética da produção carrega tanto a simbologia do desejo quanto a do sacrifício, remetendo a rituais de passagem e transformação. Assim como o Apocalipse bíblico não é só um fim, mas também um renascimento, “Abracadabra” se desenha como um ciclo de destruição e ressurreição, onde a dança se torna o próprio ato de redenção.
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