O Brasil sempre teve um talento especial para transformar expressões culturais em fenômenos populares de larga escala. Muito antes da existência das redes sociais, hits como os do grupo É o Tchan, nos anos 1990, já mostravam o poder de uma música com coreografia contagiante, refrão simples e forte apelo popular.

A banda Mamonas Assassinas, por sua vez, alçou o humor escrachado e as letras irreverentes ao topo das paradas de sucesso com apenas um álbum lançado. Em ambos os casos, o que hoje se chamaria de “viralização” acontecia através da televisão, do rádio e da boca a boca.
Com o advento das plataformas digitais, o ciclo de disseminação de uma música ficou ainda mais acelerado. E surgiu um novo tipo de canção: aquelas criadas especificamente para dialogar com temas em alta nas redes.
A música “Resenha do Arrocha”, do cantor J. Eskine, é um exemplo desse fenômeno, já que foi inspirada no Fortune Tiger, conhecido informalmente como “tigrinho“, slot que viralizou e se mantém em alta desde 2023, sendo a opção número um entre as mais de 3400 opções de um cassino online.
Com a ajuda de clipes curtos, paródias e danças no TikTok, a música também viralizou, tornando-se uma espécie de trilha sonora do momento. Não demorou para surgirem músicas derivadas, com faixas de MC Ryan SP, MC Cabelinho e Oruam fazendo referência ao jogo.
Esse processo de viralização não acontece por acaso. A fórmula é conhecida: batida contagiante, referências culturais do momento e refrões que funcionam como bordões — ou como “gatilhos” para compartilhamento em redes sociais. No caso de “Resenha do Arrocha”, essa combinação elevou a música de J. Eskine e Alef Donk ao top 10 do ranking Billboard Brasil Hot 100 em tempo recorde, saltando da 50ª posição para a 8ª em apenas uma semana.
J. Eskine, em entrevista ao G1, esclareceu que sua intenção não era promover apostas, mas sim ironizar o comportamento de quem vê no “jogo do tigrinho” uma solução milagrosa para os problemas financeiros. A letra divertida serve como um bom lembrete de que o tigrinho é um jogo, e não um investimento financeiro.
A influência do “tigrinho” não parou por aí. O funk “Let’s Go 4”, de MC Don Juan, e “Oh Garota Eu Quero Você Só Pra Mim”, de Oruam e Zé Felipe, também se tornaram sucessos com letras que misturam erotismo, ostentação e menções diretas ao jogo. Enquanto alguns artistas adotam um tom festivo e fantasioso — “Apostei 50 no tigrinho / que virou mil, depois mais mil” — outros optam por críticas diretas ao vício e à exploração das apostas, como faz MC Cabelinho em sua faixa “Tigrinho”.
Essa dualidade revela não só o poder das redes em impulsionar tendências, mas também como a música popular brasileira continua sendo espelho de seu tempo — ora refletindo, ora satirizando as obsessões, esperanças e frustrações de uma geração.
Se o jogo do tigrinho é polêmico, suas consequências no imaginário cultural já são evidentes: virou trilha sonora, virou meme, virou hit. E, como manda a lógica do streaming, enquanto gerar cliques, continuará girando. Solta a carta.