Há momentos em que a arte atravessa uma artista de maneira tão visceral que deixa de ser apenas expressão e se torna testemunho. Com “Vida Real“, lançado em 4 de abril, Ana Cañas apresenta não só um novo álbum, mas um compêndio emocional de mais de uma década de composições, memórias, dores, descobertas e reconstruções. São 11 faixas inéditas que condensam a maturidade de uma artista em total domínio de sua linguagem estética e sonora, ao mesmo tempo em que consolidam sua liberdade criativa.
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A trajetória de Ana nunca foi de atalhos. Após o sucesso arrebatador da turnê “Ana Cañas Canta Belchior”, com 180 apresentações em que ela ressignificou o repertório de um dos maiores cronistas da canção brasileira, era esperado que o próximo passo seguisse o alto padrão. “Vida Real” cumpre essa expectativa e a ultrapassa. Com produção dividida entre Dudu Marote e Rodrigo Sanches, o álbum alia sofisticação pop, densidade poética e um mergulho pessoal que, longe de ser hermético, é de uma universalidade tocante. Apenas uma faixa não é de autoria de Ana: “O Que Eu Só Vejo Em Você”, assinada por Nando Reis.
A presença de Dudu Marote, responsável por marcos do pop brasileiro desde os anos 90, e de Rodrigo Sanches, nome de referência no rock nacional, foi essencial para dar corpo à dualidade presente em todo o disco entre delicadeza e força, intuição e técnica. Mas tudo parte de Ana. E tudo retorna a ela.
Foi em meio à intensa rotina da turnê de Belchior que Ana começou a moldar o novo disco. A transição entre um trabalho de homenagem e outro de natureza profundamente autoral não foi planejada, mas surgiu organicamente. “Eu ainda estava na estrada fazendo os shows do Belchior quando comecei a gravar o álbum Vida Real. Muitas vezes eu vinha de um show no domingo e na segunda-feira já estava no estúdio. Isso intensificou a busca pela emoção, pela poesia, pela força das palavras”, contou.
A dualidade entre razão e sensibilidade é constante no processo criativo de Ana especialmente quando se trata de produção musical. “É super delicado, porque quando você grava, você eterniza. As emoções ficam à flor da pele, é um processo vertical de empenho profundo e atenção máxima”, explica. E ao dividir a produção com nomes experientes, encontrou o equilíbrio: “O Dudu é um grande produtor do pop brasileiro, já o Rodrigo vem do rock. Essa amálgama foi muito importante no resultado final”.
Entre as faixas, “Derreti” chama atenção tanto pela sonoridade quanto pela parceria emblemática com Ney Matogrosso. A amizade entre os dois extrapola os estúdios, mas foi nesse contexto que se fortaleceu uma conexão artística rara. “Ney é um guia e um oráculo pra mim. Quando o vi gravar uma música que eu escrevi, foi uma das maiores emoções da minha vida. Ele escolheu a música perfeita, com um swing latino que remonta ao ‘Bandido’, ou até ao ‘Secos e Molhados’”, relembra, visivelmente emocionada.
Autonomia, nesse caso, não significa isolamento. Prova disso é a presença de Nando Reis no disco ainda que não em dueto, mas como compositor de uma das faixas. A escolha por “O Que Eu Só Vejo Em Você” não foi aleatória: “Eu e o Nando temos um elo muito forte por causa da música ‘Pra Você Guardei o Amor’. Ele é um grande poeta, muito sensível. Eu gosto muito de tê-lo no disco, mesmo que como compositor”.
Mas talvez o ponto mais potente de “Vida Real” seja sua origem profundamente pessoal. Algumas das canções foram escritas há mais de dez anos, incluindo uma homenagem comovente ao irmão Leandro, falecido em 2013. “É um assunto doloroso. Cada verso emergiu do fundo da alma, sem blefes. Mas é bonito ver como essa canção tem tocado o coração das pessoas”, compartilha.
Além disso, a cantora transformou sua vivência em material lírico de forma crua e transparente. “Tem uma música bem autobiográfica que conta momentos de extrema vulnerabilidade. Vivi num pensionato com profissionais do sexo, distribuía panfletos nos faróis de São Paulo para sobreviver. Tudo isso está ali, transformado em poesia”.
Aos 44 anos, Ana reflete uma artista plena, sem concessões, mas profundamente conectada à sensibilidade do mundo ao seu redor. “Acho que continuo a mesma lá de trás a menina que colava cartazes em banheiros de bar para divulgar seus shows. Mas hoje, dou menos importância à opinião alheia depreciativa. Foco na beleza dos gestos, nos afetos, nos sentimentos. O disco é reflexo disso”.
Ao fim da conversa, fica claro que “Vida Real” não busca agradar, mas tocar. E o faz com a mesma verdade que a artista encontrou nas canções mais íntimas de Belchior. “Aprendi muito na turnê. As canções mais pessoais dele eram as que mais me emocionavam no palco. Isso ficou em mim: fale do que é seu, do que você viveu. Assim, talvez, você consiga tocar o coração de alguém”.
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