O segundo disco de Antonia Morais, “Luzia 20.20”, nasceu no meio da natureza, quase psicodélico em poesia intricada, amadureceu em território plenamente brasileiro e ganha vida própria e adulta como um trabalho tão simples quanto cheio de classe – um retrato fiel da artista hoje.
Essa descrição do álbum de sete faixas é importante por causa do histórico de Antonia na música.
Em 2014, após trabalhos de sucesso como atriz e vivendo o final da adolescência, ela lançou um disco carregado em elementos, em peso, distorção, totalmente eletrônico, influenciado tanto pela infância nos Estados Unidos quanto por uma fase melancólica de vida. “Milagros” traz sete canções em inglês.
Já “Luzia 20.20” é tão solar quanto a cidade de Bonito, no Mato Grosso do Sul, onde começou a ser concebido, e a dona do nome: o fóssil mais antigo da América do Sul, de uma mulher de seus 20 anos, negra, e que foi queimado durante incêndio da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
Tanto Luzia quanto Antonia nasceram das cinzas – a histórica está sendo reconstituída, e a artista desabrocha em um álbum na melhor condição lo-fi cheio de MPB, trip hop e indie pop rock.
O caminho de Antonia ainda segue no mundo eletrônico, mas em “Luzia” as canções deslizam melodicamente tanto no ambiente metalizado quanto no orgânico. Variações e passagens dos dois estados soam quase imperceptíveis acomodadas em textos poéticos e arranjos suaves.
Abre com “Gaivotas”, em rico costurar de baixo e violão onde a cantora permeia percussão e arranjos eletrônicos em vocal macio. A canção faz parte da primeira leva que ela trouxe de Bonito, apresentou à produtora Barbara Ohana e, junto a Gaspar Pini, produziram o embrião que amarra o trabalho.
Todas as músicas e melodias são de autoria da própria Antonia.
Ela conduz “Espera” conforme descrito acima – o vocal melódico traça a narrativa climática da música de modo quase psicodélico em texturas.
A marcação percussiva alinhada ao baixo e cama eletro de arranjos dão o tom à canção que batiza o álbum, enquanto a faceta mais fluída reaparece em “Xiliks”. Sons da cidade marcam a introdução de “Manhãs”, mais uma vez com linha de baixo pontuando a cama de loops.
“Serpente” faz parte da primeira leva de canções e como as outras seis carrega uma palavra como título. Mas desta vez o beat acelera e o single vira quase house, ao que a voz da cantora surge sob camada de efeitos na última do disco, “Janela”, mais uma versão mezzo MPB mezzo trip hop do arsenal de Antonia.
O disco fecha e você entende a explicação da artista sobre os momentos que vive transformados em sons. Antonia Morais é hoje tão simples quanto solar, tão poética quanto firme, tão suave quanto acalorada. “Outras virão”, promete.
Por enquanto, “Luzia 20.20” belamente a representa.
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