“12.12: O Dia”, dirigido por Kim Sung-su, é uma reconstrução meticulosamente orquestrada de um dos episódios mais críticos da história moderna da Coreia do Sul: o golpe de Estado de 12 de dezembro de 1979. Ao dramatizar o confronto entre duas figuras centrais do poder militar, o filme escapa dos lugares-comuns do gênero histórico e apresenta um estudo rigoroso de liderança, lealdade institucional e ambição.
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O roteiro, baseado em eventos reais, equilibra com inteligência precisão factual e tensão cinematográfica. A escolha por condensar os acontecimentos principais em apenas nove horas, durante uma única noite, é estratégica: além de realçar o aspecto claustrofóbico da escalada golpista, permite um controle de ritmo quase teatral, onde cada decisão tem peso e urgência dramática. A progressão narrativa privilegia a construção de um suspense político calcado em diálogos intensos, disputas silenciosas de autoridade e um jogo de influência dentro das esferas militares, sem recorrer ao espetáculo fácil.
A ambientação noturna, dominante em quase toda a duração do filme, se impõe como elemento dramatúrgico. O uso da luz e da sombra é exemplar: a mise-en-scène, rígida e composta com precisão, intensifica a tensão latente em cada cena. A fotografia constrói ambientes densos, opressivos e carregados de simbolismo, ampliando o impacto psicológico das escolhas morais que os personagens enfrentam.
A direção é rigorosa e evita didatismos. O filme não se limita a vilanizar Jeon Du-gwang (inspirado no general Chun Doo-hwan) ou a idealizar Lee Tae-shin. Em vez disso, estrutura-se como um embate ético entre dois projetos de poder. A força dramática emerge da ambiguidade das ações e das hesitações estratégicas. O roteiro, ao não assumir um ponto de vista moral simplista, permite que o espectador compreenda as motivações políticas sem jamais justificar a violência institucional que se desenha.
A performance de Hwang Jung-min é de grande controle e intensidade. Mesmo sob pesada maquiagem e caracterização, o ator entrega uma interpretação calibrada, baseada em gestos comedidos e olhares calculados. Seu Jeon Du-gwang é uma figura de autoridade ameaçadora, mas dotada de humanidade estratégica, o que evita caricaturas. Já Jung Woo-sung, como Lee Tae-shin, funciona como contrapeso ético, um militar idealista que luta por princípios democráticos num ambiente dominado por cinismo e pragmatismo. As interações entre os dois personagens são conduzidas com cadência e tensão crescente, funcionando como o eixo dramático do filme.
A escolha do diretor por registrar os soldados mortos com o subtítulo “mortos em batalha” revela uma camada adicional de intenção: dar voz não apenas aos vencedores da história, mas também aos esquecidos. Essa decisão destaca o filme como uma obra que busca revisitar um trauma histórico com olhar crítico e humanizador. Ao fazer isso, Kim Sung-su amplia o escopo da narrativa, transformando “12.12: O Dia” em um comentário sobre os custos da ruptura institucional e os danos colaterais da ambição política.
“12.12: O Dia” evita o didatismo histórico e aposta na tensão, no silêncio e na hesitação como condutores dramáticos. É uma obra densa, técnica e emocionalmente calibrada, que utiliza os códigos do thriller político para reconstituir uma noite em que o destino de uma nação oscilou entre convicção democrática e força bruta. A fidelidade ao real não engessa a linguagem cinematográfica, pelo contrário: o filme alcança potência justamente ao confrontar o espectador com a crueza do poder e com o vazio moral que muitas vezes o acompanha.
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