“Case 137” propõe um exame meticuloso das fissuras institucionais da sociedade francesa contemporânea ao transformar uma investigação policial interna em espelho de uma nação em convulsão. Sob a direção de Dominik Moll, o filme constrói um thriller político e burocrático que se distancia dos moldes tradicionais do gênero policial para operar como um ensaio audiovisual sobre responsabilidade, omissão e o colapso da mediação entre Estado e indivíduo. Em vez de oferecer respostas, o longa expõe um sistema paralisado pela própria estrutura, onde os mecanismos de controle e correção não conseguem mais gerar legitimidade.
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A narrativa acompanha Stéphanie Bertrand, agente da IGPN, entidade responsável por investigar abusos dentro da própria polícia. A missão que lhe é confiada parece, à primeira vista, ordinária: apurar a origem de um projétil de bala de efeito moral que deixou um jovem ferido durante os protestos dos coletes amarelos. Contudo, o que se apresenta como uma apuração técnica evolui rapidamente para um impasse ético e institucional que escancara o esgarçamento do tecido democrático. A investigação torna-se uma arena simbólica onde colidem a razão de Estado, o aparato repressivo, o esvaziamento do discurso político e a urgência por justiça em um contexto marcado por saturação e esgotamento coletivo.
A estrutura do filme se ancora no rigor do realismo, evidenciado pelo uso de imagens documentais, vídeos de vigilância e arquivos de protestos reais. A montagem trabalha esses elementos com precisão quase clínica, como se o próprio longa operasse dentro da lógica de um inquérito. Moll não busca recriar os protestos como espetáculo, mas sim como ruído de fundo que pulsa como ameaça latente e constante. O ruído é estético e institucional. A cada imagem pixelada, a cada rosto fora de foco, o filme reafirma a opacidade de um sistema onde a verdade é fragmentada, burocratizada e constantemente disputada.
Léa Drucker entrega uma interpretação contida e profundamente expressiva. Sua personagem é uma mulher deslocada em um meio masculino, mas essa condição nunca é sublinhada como ponto de conflito explícito. O desconforto de Stéphanie emerge da tensão entre suas obrigações e sua consciência, entre o papel que ocupa e o sistema que representa. Moll filma essa tensão com grande economia de gestos, apostando em uma dramaturgia silenciosa e precisa, onde cada plano prolongado carrega o peso do que não se diz. A contenção da atriz opera como campo de força dramática. Suas reações são mínimas, mas sempre carregadas de implicações morais.
Formalmente, o filme se recusa ao didatismo. Não há trilha sonora enfatizando emoções, nem discursos inflamados oferecendo alívio ideológico. Em vez disso, o filme aposta em uma encenação que se aproxima do documental, onde o desconforto surge do silêncio, da repetição e do impasse. Mesmo seus momentos de humor são secos, quase imperceptíveis, operando como rachaduras sutis em uma superfície institucional endurecida.
“Case 137” também se destaca por sua recusa à catarse. O filme não oferece a resolução típica dos dramas policiais. Ao final, nenhuma revelação traz justiça. O que resta é um sentimento de impotência estruturada. A investigação se dissolve em meandros burocráticos e silêncios cúmplices, enquanto a personagem principal é deixada em um limbo ético que reverbera muito além dos créditos finais. Essa recusa à conclusão tradicional não é falha narrativa, mas projeto estético e político claro. Moll quer que o espectador saia do filme tão frustrado quanto seus personagens, porque é exatamente essa frustração que define o funcionamento das instituições retratadas.
É nesse sentido que “Case 137” se afirma como um dos filmes mais urgentes da competição. Sua força está na precisão com que revela o colapso da mediação entre autoridade e verdade, entre discurso público e ação real. Sem ceder ao panfleto ou ao cinismo, o filme propõe uma reflexão incômoda e necessária sobre as zonas de silêncio que se instalam onde o sistema já perdeu sua capacidade de responder. Uma obra amarga, consciente de seu tempo e radicalmente lúcida em sua recusa ao conforto.
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