Em “Promised Sky”, a cineasta Erige Sehiri retorna ao cinema de forte cunho humanista para explorar as múltiplas camadas da experiência migrante em um contexto contemporâneo de tensão geopolítica, racismo institucionalizado e resistência afetiva. Ambientado na Tunísia, o filme observa com precisão e empatia a convivência de três mulheres marfinenses em situação de migração forçada e os vínculos que se formam a partir da dor compartilhada, da espiritualidade e da necessidade de reinvenção familiar.
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Marie, uma pastora e jornalista que atua como figura de referência espiritual e comunitária, é o centro moral da narrativa. Já radicada na Tunísia há uma década, ela acolhe Naney, uma jovem mãe sem documentos, e Jolie, uma estudante pressionada a retornar à Costa do Marfim. A convivência das três se altera com a chegada inesperada de Kenza, uma menina sobrevivente de um naufrágio. A partir daí, a casa torna-se um espaço de reconstrução e conflito, em que cada personagem é desafiada a ressignificar o próprio sentido de lar, maternidade, pertencimento e cidadania.
O roteiro, também assinado por Sehiri, opera em camadas sutis. Sem recorrer à exposição didática, revela gradualmente as motivações de cada mulher por meio do cotidiano, das conversas interrompidas, dos gestos de cuidado e das tensões não ditas. É nesse espaço do não dito que o filme cresce. O cotidiano é usado como ferramenta dramática e política. Entre refeições compartilhadas, problemas com documentos e tensões com vizinhos e autoridades, o longa delineia o quadro maior da exclusão que atinge imigrantes subsaarianos em um país do norte da África que, paradoxalmente, compartilha vínculos históricos e culturais com essas populações, mas que frequentemente as marginaliza.
Sehiri filma com uma sensibilidade quase documental. A câmera, geralmente na mão e posicionada em planos médios ou fechados, acompanha os personagens com discrição, evitando espetacularizações ou dramatizações forçadas. Esse naturalismo cria uma atmosfera de intimidade radical com o público, permitindo que as emoções se construam de forma orgânica. Há um equilíbrio tênue entre ficção e realidade, especialmente pelo uso de atores não profissionais ao lado de intérpretes experientes. Essa escolha fortalece a autenticidade do registro social, e torna “Promised Sky” não apenas uma obra cinematográfica, mas um documento vivo sobre os efeitos da política migratória e do racismo estrutural.
A cinematografia se destaca pela composição de planos que utilizam a luz natural da Tunísia a serviço da história. As imagens do deserto e das áreas periféricas, onde vivem os imigrantes, contrastam com a suavidade visual da casa das protagonistas, que se transforma num abrigo simbólico contra a hostilidade exterior. A própria escolha estética reforça a ideia de que esse “céu prometido” não é um lugar geográfico, mas uma esperança compartilhada de liberdade, dignidade e sobrevivência afetiva.
No entanto, há um leve desequilíbrio estrutural no entrelaçamento das três trajetórias. Em certos momentos, a narrativa de Naney se impõe visual e emocionalmente sobre as demais, deixando as experiências de Jolie e mesmo de Marie em segundo plano. Ainda assim, o desequilíbrio nunca compromete a força da proposta central, que é justamente a de construir uma rede de afeto em um contexto de desumanização.
“Promised Sky” estabelece um diálogo direto com “Sob as Figueiras”, trabalho anterior da diretora. Ambos os filmes compartilham um interesse pelos espaços femininos de solidariedade e resistência em cenários marcados por instabilidade econômica e controle social. Mas se no longa anterior a diretora voltava seu olhar para o universo rural da juventude tunisiana, aqui ela desloca a atenção para uma questão geopolítica urgente: a crise migratória africana vista de dentro, com protagonistas negras que desafiam o apagamento de suas histórias nos circuitos tradicionais de representação.
Ao contar uma história tão pouco representada no cinema internacional, Erige Sehiri demonstra maturidade estética e ética. “Promised Sky” é um filme sobre mães e filhas, sobre fé e desamparo, sobre fronteiras físicas e emocionais. Uma obra que acredita no poder do coletivo, na reparação feita pelo afeto e na possibilidade de um futuro, mesmo que incerto, sob um céu que ainda se promete.
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