Baseada na peça “Elemeno Pea”, de Molly Smith Metzler, “Sereias” (Sirens) propõe uma história sobre laços femininos marcados por desigualdade, submissão emocional e dinâmicas de poder. A minissérie de cinco episódios da Netflix acompanha a trajetória da jovem Simone (Milly Alcock), que aparentemente vive o sonho moderno ao trabalhar como assistente pessoal da enigmática Michaela Kell (Julianne Moore) em uma mansão litorânea de luxo. A chegada de sua irmã Devon (Meghann Fahy), cética quanto à relação das duas, desencadeia uma série de confrontos psicológicos que expõem um enredo muito mais sombrio do que o ambiente solar sugere.
A série não trata de sereias literais, mas metafóricas: mulheres que seduzem, manipulam e sobrevivem em ambientes hostis sem perder a elegância nem o controle narrativo. Esse jogo de aparências move o conflito central, construído com uma estrutura teatral de tempo limitado, poucos cenários e tensão crescente. O tom é refinadamente irônico, equilibrando suspense psicológico, crítica social e drama familiar com um verniz de sátira social que remete a obras como “The White Lotus” e “Big Little Lies“.
Julianne Moore entrega mais uma performance precisa, interpretando Michaela como uma figura magnética e incômoda. Sua personagem é simultaneamente generosa e predadora, alternando vulnerabilidade e autoridade com fluidez. Milly Alcock, em seu papel mais maduro desde “House of the Dragon”, apresenta Simone como alguém fragilizada e cooptada, mas que vai revelando camadas internas de contradição. Meghann Fahy, como a observadora Devon, funciona como catalisadora do conflito e dá contorno emocional à história. O trio central sustenta a narrativa com densidade e equilíbrio cênico, mesmo quando o roteiro hesita.
O ponto forte da minissérie está na construção relacional entre as personagens femininas. Ao invés de cair em arquétipos maniqueístas, “Sereias” se dedica a explorar os mecanismos emocionais que sustentam relações desequilibradas. Há uma tensão constante entre afeto genuíno e dependência velada, o que confere à obra um viés psicológico bastante eficaz. A crítica ao culto da riqueza, ao elitismo benevolente e à idealização das “boas patroas” também está presente, ainda que de maneira sutil.

Visualmente, a série aposta em uma estética de alto padrão, com direção de arte que valoriza o contraste entre o luxo da casa à beira-mar e a inquietação crescente entre as personagens. A beleza da mise-en-scène jamais mascara o desconforto da situação. A trilha sonora pontua bem as transições de humor, embora, em alguns momentos, o ritmo do roteiro escorregue em repetição e certa morosidade narrativa.
O grande problema de “Sereias” está em sua estrutura prolongada. O que poderia ser um filme conciso de 90 minutos se estende em cinco episódios que, embora visualmente envolventes, carecem de urgência dramática em certos trechos. A minissérie da Netflix oscila entre sátira, drama intimista e thriller psicológico, mas nem sempre consegue manter coesão entre os tons. Em sua segunda metade, a trama se dilui em diálogos que reiteram mais do que avançam, e a tensão original perde potência.
Mesmo assim, a série tem mérito ao evitar conclusões fáceis. Ao final, a relação entre as irmãs e a figura ambígua de Michaela permanecem abertas à interpretação, o que enriquece a experiência para o espectador atento. A alegoria da sereia permanece: não há monstro explícito, mas há canto hipnótico, sedução e afogamento emocional.
“Sereias” é uma minissérie sobre encantamento e aprisionamento, poder e afeto, onde cada personagem se move entre o desejo de ser cuidada e o medo de ser controlada. Sua maior força está nas atuações, na elegância visual e na sutileza temática. Mesmo com suas limitações estruturais, entrega um estudo relevante sobre o que está por trás da fachada do luxo e da amizade entre classes sociais radicalmente distintas.
Fique por dentro das novidades das maiores marcas do mundo! Acesse nosso site Marca Pop e descubra as tendências em primeira mão.