“Sound of Falling”, dirigido por Mascha Schilinski, se posiciona como uma das experiências cinematográficas mais inquietantes e hipnóticas do cinema alemão recente. Construído como um mosaico multigeracional que atravessa décadas, o filme se recusa a obedecer qualquer lógica narrativa linear. Em vez disso, opta por uma estrutura fragmentada e intuitiva, na qual o tempo se dissolve entre memórias, traumas e silêncios herdados. A fazenda no Altmark, ponto geográfico fixo do enredo, transforma-se em um espaço mítico onde as fronteiras entre passado e presente se desfazem continuamente.
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O filme não se explica. Não oferece respostas. Trabalha com lacunas, omissões e imagens que se impõem mais pelo desconforto que provocam do que por qualquer intento ilustrativo. Schilinski dirige com absoluta precisão formal, mas abdica da lógica tradicional da causa e efeito. Aqui, o que move a narrativa não é o que acontece, mas o que se recusa a ser dito. A montagem opera como um organismo instável, colando pedaços de vidas diferentes como num álbum de fotografias distorcidas, onde o espectador é constantemente empurrado para dentro da intimidade alheia sem qualquer preparação emocional.
Há algo de profundamente perturbador no modo como o filme encena a memória como um espectro visual. A fotografia, que alterna entre enquadramentos rigorosamente compostos e planos abruptos, nunca busca a beleza. Pelo contrário. Cada imagem parece contaminada por um passado que insiste em não morrer. A casa onde tudo acontece é filmada como um corpo em decomposição, suas janelas são olhos sempre abertos, suas paredes murmuram. A câmera ronda os corpos com desconforto e obsessão, registrando gestos mínimos, vozes que ecoam em dublagens ocas e justaposições que mais sugerem do que revelam. Trata-se de um cinema de sugestão, que se vale do não mostrado para acionar o pior na imaginação do público.
Schilinski investe também em um uso perturbador da sonoplastia, em que as vozes das personagens são muitas vezes inseridas com defasagens temporais, criando um efeito de distanciamento e deslocamento. A trilha sonora é praticamente ausente, substituída por ruídos ambientes que se tornam opressivos. O som, aqui, não ilustra. Ele fragmenta. Desalinha. Torna a experiência auditiva tão inquieta quanto a visual. Em algumas cenas, as dublagens intencionalmente deslocadas criam uma tensão quase insuportável, como se a realidade estivesse prestes a desabar. Esse recurso, aliado à montagem disjuntiva, transforma o filme em um quebra-cabeça emocional que jamais se completa.
O núcleo temático que atravessa o filme é o da violência não nomeada. A forma como a diretora filma corpos femininos sugere camadas de abuso, repressão e hereditariedade do trauma. A relação entre imagem e violência é explícita. A fotografia familiar, tão presente na diegese, atua como uma prisão simbólica. O retrato se torna testemunho e também condenação. Nada é explícito, mas tudo está ali. As imagens sugerem estupro, incesto, abandono, com uma potência simbólica que incomoda mais do que qualquer exposição gráfica. Schilinski recusa qualquer gesto de dramatização fácil. Ela opera com a linguagem do indizível. Deixa o espectador mergulhado em ambiguidade, preso em um estado de suspensão ética e emocional.
A ambientação histórica é notável não apenas pelo realismo de época, mas pela forma como o tempo é absorvido pelos objetos, pelos rituais e pelo próprio dialeto. Há um estudo minucioso da cultura da região de Altmark, que vai muito além do folclore ou da reconstituição visual. O tempo histórico não é pano de fundo. É uma entidade dramática, um vetor de opressão que se infiltra na linguagem, nas relações interpessoais e nas formas de afeto. Schilinski compreende que os traumas coletivos da história alemã não desapareceram. Eles apenas mudaram de forma, migrando para o interior das casas, das famílias, dos álbuns de fotografia e das memórias fragmentadas de mulheres que nunca tiveram voz.
“Sound of Falling” é um filme hermético, e isso é parte de sua força. É cinema concebido como arqueologia emocional. Cada cena é uma escavação. Cada diálogo truncado, uma tentativa frustrada de encontrar sentido em meio ao entulho simbólico deixado por gerações de silêncio. O filme não é feito para ser compreendido. É feito para ser sentido. Para ser suportado. Para ser temido. E, acima de tudo, para permanecer. Porque ele permanece. Como as imagens que assombram as personagens, algumas cenas continuam a reverberar muito depois do término da projeção. Um filme que testa os limites do espectador, não por sadismo, mas por uma crença profunda no poder da imagem como instrumento de escuta. E de enfrentamento.
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