Com a estreia da segunda temporada marcada para abril de 2025 na Max, revisitamos a primeira temporada de “The Last of Us”, série da HBO que adaptou com ambição e alto padrão técnico o aclamado jogo homônimo da Naughty Dog. A produção conquistou destaque imediato ao trazer para o formato televisivo uma narrativa já consagrada nos videogames, oferecendo uma visão aprofundada e emocionalmente carregada de um mundo devastado por uma infecção fúngica que colapsou a civilização.
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A história parte de um futuro pandêmico colapsado por uma infecção fúngica (cordyceps) que transforma humanos em criaturas violentas. Vinte anos após o surto, Joel (Pedro Pascal), um sobrevivente endurecido, aceita a missão de transportar Ellie (Bella Ramsey), uma adolescente com aparente imunidade, para fora da zona de quarentena. Ao longo da jornada, a relação entre os dois se transforma gradualmente, enquanto enfrentam inimigos, dilemas morais e uma sociedade em ruínas.
Logo no primeiro episódio, a série sinaliza seu compromisso com o aprofundamento dramático. O prólogo com Sarah (Nico Parker) é expandido em relação ao jogo, com mais tempo dedicado à construção da personagem, o que aumenta o impacto emocional de sua morte. A escolha de alterar o ano do surto para 2003 (e não 2013, como no jogo), para coincidir com o ano real de 2023, é sutil, mas inteligente, aproxima o espectador da linha do tempo e reforça a urgência da catástrofe.
Do ponto de vista técnico, a série impressiona. A direção de arte é precisa, com cenários apocalípticos verossímeis e imersivos. A trilha sonora, assinada por Gustavo Santaolalla (também compositor do jogo), reforça a conexão com a obra original e mantém a melancolia como tom constante. A fidelidade visual aos elementos mais emblemáticos do jogo – como os estaladores e as zonas de quarentena – é admirável. Há um cuidado evidente em recriar a estética e o clima de forma quase documental.
Os episódios dirigidos por Neil Druckmann e Craig Mazin evidenciam o compromisso com a adaptação respeitosa, mas com ambições autorais. A inserção de novos momentos narrativos, como a explicação da origem do fungo na Indonésia, amplia o universo da série sem descaracterizá-lo. Trata-se de uma adição narrativa que enriquece o contexto científico da pandemia e preenche lacunas que, no jogo, eram mais sugeridas do que explicadas.
O elenco funciona muito bem. Pedro Pascal entrega um Joel silencioso, contido e brutal, que transmite dor acumulada sem recorrer ao excesso dramático. Já Bella Ramsey assume uma Ellie inicialmente mais agressiva e ríspida do que sua contraparte no jogo, mas com o tempo, encontra o equilíbrio entre vulnerabilidade e força, especialmente nos episódios finais. A química entre os dois cresce organicamente, e esse vínculo é o motor emocional da série.
Contudo, a adaptação comete alguns desvios que merecem observação crítica. O terceiro episódio, centrado inteiramente na relação entre Bill (Nick Offerman) e Frank (Murray Bartlett), rompe com a estrutura da narrativa principal. Embora seja um episódio visualmente bonito e com boas atuações, sua construção resulta em um “filler de prestígio” – bem produzido, mas que ignora um personagem crucial para o desenvolvimento de Joel e Ellie. A versão do Bill na série perde a função narrativa que possuía no jogo: a de catalisar uma reflexão importante sobre sobrevivência, confiança e isolamento. Ao abdicar dessa camada, a série opta por uma abordagem mais romântica e contemplativa, porém menos funcional para o arco central.
Essa decisão não invalida a qualidade artística do episódio, mas expõe o risco de priorizar episódios conceituais em detrimento da progressão dramática. Em um universo onde cada decisão de roteiro deve servir à missão narrativa principal (que é a jornada de transformação entre Joel e Ellie) o episódio três se distancia desse propósito. A morte de Bill e a ausência do conflito com Ellie comprometem o impacto emocional de momentos posteriores e diminuem a relevância do personagem na construção de Joel como figura paternal.
Em contrapartida, episódios como o cinco e o oito retomam a excelência estrutural da adaptação. O episódio com Henry e Sam (Lamar Johnson e Keivonn Woodard) é devastador, funcional dentro do arco emocional da Ellie e uma adaptação exemplar do jogo. Já o penúltimo episódio, em que Ellie enfrenta sozinha o predador David (Scott Shepherd), é o ponto alto da performance de Bella Ramsey e consolida sua Ellie como uma personagem totalmente amadurecida pela dor e pela necessidade de sobreviver.
A decisão de manter o desfecho do jogo praticamente intacto no último episódio é acertada e corajosa. A cena no hospital, o dilema moral de Joel e a mentira final formam o tripé mais importante da obra original – e a série não tenta amenizá-lo. Ao contrário, Mazin e Druckmann tratam o encerramento com o peso dramático necessário, sem moralizar ou justificar o protagonista. Isso é crucial para manter a ambiguidade moral que faz parte da essência.
A primeira temporada de “The Last of Us” é uma adaptação exemplar sob muitos aspectos: respeita o jogo, compreende sua essência e traduz com fidelidade sua proposta estética e emocional. É, de longe, a adaptação mais competente já feita a partir de um videogame, com inteligência narrativa, grandeza de produção e interpretações memoráveis. Ainda assim, certas escolhas criativas colocam a integridade dramática da narrativa principal em segundo plano, priorizando desvios que, embora bem-intencionados, prejudicam o arco dos protagonistas.
Fica claro que a série nasceu do amor pela obra original, e que a presença de Neil Druckmann no processo garantiu essa fidelidade. Porém, como adaptação serial, ainda há espaço para mais equilíbrio entre expansão do universo e respeito à função narrativa de cada personagem. A expectativa para a segunda temporada é alta e merecida. Afinal, “The Last of Us” mostrou que é possível adaptar jogos com profundidade, ambição e respeito ao material de origem. Mas acima de tudo, mostrou que, mesmo no caos de um mundo destruído, são as relações humanas que mantêm a história viva.
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